Especialistas entendem que três anos e meio depois da legalização, os números já deveriam ter começado a decrescer.
Este ano, por cada dia que passou, foram feitos 53 abortos legais. Em 2007, os números não ultrapassaram os 36.
O número de interrupções voluntárias da gravidez tem crescido sucessivamente desde que a prática foi despenalizada há três anos. Em 2009, houve 19 572 contra os 18 607 abortos praticados em 2008 (mais 965).
E, até Agosto de 2010, os casos já atingiram o patamar dos 13 mil. Ou seja, a manter-se a média actual, 2010 vai fechar ligeiramente acima do ano anterior, o que contraria a tendência decrescente noutros países europeus que optaram pela legalização.
Apesar de os números se aproximarem das estimativas iniciais - previa-se, com base na experiência de outros países europeus, que pudessem vir a praticar-se 20 mil abortos por ano -, especialistas entendem que três anos e meio depois da legalização do aborto, por opção da mulher, até às dez semanas já se deveria ter entrado numa lógica decrescente.
"A tendência no Norte da Europa é para uma estabilização passado dois ou três anos. E depois um decréscimo: na Dinamarca, por exemplo, ao fim de dois ou três anos os números começaram a baixar. Se cá não baixam é preocupante: legislou-se, mas não se iniciou um programa a sério de prevenção da gravidez", critica Luís Graça, director do serviço de obstetrícia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
O especialista, que foi um dos maiores defensores da aprovação da lei em 2007, está desiludido com os resultados. "Tomam-se medidas pontuais, mas não se tomam medidas de acompanhamento. Não há políticas preventivas e, assim, o aborto vai continuar a ser usado como um método de não concepção."
E, mais do que com os resultados, está desiludido com as mulheres: 354 foram reincidentes e fizeram mais do que um aborto em 2008 e 2009. "Fui ingénuo. Tenho pena que não tenham estimado uma lei feita para salvaguardar a sua saúde: era para protegê-las das complicações dos abortos clandestinos, não para fazerem dois ou três em dois anos."
O obstetra entende que a única bandeira que os defensores da despenalização ainda podem levantar é a da diminuição das complicações associadas a abortos ilegais "Antes tinha 20 a 22 consultas por mês devido a complicações decorrentes de abortos clandestinos. Agora, são duas ou três."
Crise ou conhecimento da lei? O agravamento do desemprego e da situação económica pode pesar na decisão de ter um filho, mas a maioria dos profissionais de saúde acredita não ser a razão principal para os números da interrupção voluntária da gravidez continuarem a não diminuir. As dificuldades decorrentes da crise económica são apenas parte da história: o maior conhecimento da lei pode explicar o resto.
"Este aumento não me surpreende. É natural que ao início os números não fossem tão altos. A prática tinha acabado de ser instituída: as pessoas não tinham ainda tanta informação", afirma Duarte Vilar, director-executivo da Associação para o Planeamento da Família.
Também Jorge Branco, coordenador do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva, entende que "o aumento da confiança nos estabelecimentos de saúde onde é possível realizar um aborto" explica a tendência crescente dos números dos abortos praticados por via legal. A influência da crise, por contraste, "será muito residual, porque quando a lei foi criada já se sentiam estas dificuldades", recorda, o coordenador do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva
Mulheres reincidentes Para Daniel Serrão, não há qualquer razão que justifique o aumento dos abortos praticados no país, já que "é uma intervenção completamente desnecessária, que, independentemente de ser feita de forma legal, só traz riscos para a mulher". Dos 13 033 abortos registados nos primeiros oito meses do ano, 12 676 foram feitos por opção da mulher: só em 357 casos, o aborto foi provocado por perigo de morte ou de saúde da grávida ou malformação do feto.
"A lei do aborto não foi acompanhada por medidas que educam para a sexualidade. Se os métodos contraceptivos são gratuitos, não há nenhuma razão para as mulheres não terem uma vida sexual sem necessidade de abortar", lamenta o médico e especialista em ética da vida.
Além das falhas no planeamento familiar, o especialista aponta para a necessidade de controlo das repetições de abortos. "Na maior parte dos países, as mulheres só podem fazer um aborto. Aqui é a la carte", acusa. O registo dos motivos que levam as mulheres a abortar seria, na opinião do especialista, o primeiro passo para perceber "se o fazem por fome ou miséria, por falta de companheiro ou só porque sim".
Jorge Branco, presidente do conselho de administração da Maternidade Alfredo da Costa, explica que na impossibilidade de recusar fazer um aborto a uma mulher que seja reincidente, resta aos profissionais de saúde apostar nos casos mais problemáticos e "dar a essas mulheres métodos contraceptivos menos falíveis e mais duradouros, como os implantes".
Sílvia Caneco, aqui