A RÃ SOLITÁRIA
Era uma vez uma rã que vivia num charco. Vivia sozinha. O charco também era pequeno.
Sentia a falta de outras rãs, para lhe fazerem companhia e coaxarem ao despique nas noites de Lua cheia.
Sentia que, se outras rãs vivessem com ela, podia nadar de bruços com mais folgança, velocidade, estilo? Sentia que os saltos que dava para dentro de água, à falta de espectadores, nem jeito nem graça tinham.
Enfim, a rã deste pequeno charco sentia-se muito só. Desamparada. Infeliz.
Perguntem, se fazem favor, porque é que a rã se não mudava para charco mais amplo e povoado?
Porque temia que tão perto não houvesse outro. Ora, como devem saber, as rãs detestam perder tempo a saltar em seco. A água faz-lhes falta. Sem ela, perdem o luzidio da pele e a força de vida. Não sabiam?
Um dia, começou a chover que nunca mais parava. Dia e noite. Noite e dia.
Os campos ficaram alagados. Os rios sobraram do leito. Pequenos charcos, afastados uns dos outros, juntaram-se num enorme lago.
Foi uma inundação terrível. Veio nos jornais e a televisão deu notícia. Casas de que só o telhado se via. Animais afogados. Gente a ser salva em barcaças por bombeiros. Uma desgraça.
Mas como esta história pertence à rã, esta história tem um fim feliz. A rã, passada a tempestade, encontrou companhia. Dezenas de rãs coaxam agora, em coro, glorificando a chuva, a abundância das águas, o abraço do lago imenso que as juntou.
Aqui entre nós e em segredo vos peço que nunca contem esta história a pessoas que tenham sofrido os efeitos trágicos de uma inundação. Não iam gostar.
António Torrado e Cristina Malaquias, aqui