Transmitindo ao executivo e à assembleia municipais a ideia de que a filiação do município de Oliveira do Bairro, como associado da Associação Comercial e Industrial da Bairrada (ACIB), foi ilegal desde o seu início, o presidente da câmara municipal apresentou-se como ‘salvador da pátria’ ao propôr uma solução tendente à ‘correcção de uma ilegalidade com quase 17 anos!!!’.
E se bem o pensou, melhor o fez: com a invocação de que se tratava de um assunto urgente apresentou, em aditamento à ordem de trabalhos da reunião do dia 24 de Junho de 2010, uma proposta destinada ao ‘milagroso’ objectivo de regularizar essa 'grave ilegalidade' que era a filiação do município, como associado da ACIB sem a competente deliberação do órgão executivo e devida autorização do órgão deliberativo.
Ora, apesar da invocação de urgência na deliberação deste assunto, o mesmo só foi levado à assembleia municipal mais de três meses depois, concretamente em 29 de Setembro de 2010: e porque assim foi, o reconhecimento desta urgência na introdução deste e de outros pontos na ordem de trabalhos da referida reunião foi deliberado com o meu voto contra, uma vez que a invocada urgência não revestia, afinal, urgência alguma.
Daí que, mesmo com a minha oposição, o assunto tenha sido incluído na ordem de trabalhos sem que aos vereadores da oposição tivesse, sequer, sido entregue cópia da respectiva proposta. E assim, quando chegou o momento da sua apreciação, o presidente da câmara ‘desfiou o rosário da desgraça' referindo que aquando da apresentação ao município do pedido de pagamento da quota anual de associado da ACIB, solicitou aos serviços administrativos informação sobre a deliberação da proposta da câmara e autorização da assembleia pela qual havia sido formalizada a filiação do município à dita associação; e perante a ‘gravidade da situação’, em resultado da inexistência dessa informação uma vez que nem havia deliberação nem autorização tomadas pelos órgãos competentes, o presidente da câmara fez-se munir de um parecer jurídico que concluía pela ‘regularização da situação’.
Como antes se deixou expresso, nenhuma cópia da proposta foi distribuída aos vereadores da oposição, os quais apenas tomaram conhecimento da ‘solução encontrada para resolver uma ilegalidade com quase 17 anos’ pela antecedente declaração feita pelo próprio presidente da câmara em plena reunião. Ora, tendo em conta que a lei actualmente em vigor (art. 53º, nº 2, al. m) da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro com as alterações da Lei nº 5-A/2002 de 11 de Janeiro) atribui, efectivamente, competência à assembleia municipal sob proposta da câmara para autorizar o município a associar-se com entidades privadas, os vereadores da oposição acolheram de boa fé a ‘estória’ dos factos contada pelo presidente da câmara, que aproveitou a oportunidade para mimar o executivo que o antecedeu com atributos de ilegalidade e de falta de rigor na gestão dos dinheiros do município consubstanciada no pagamento de quotas indevidas.
Importa que se esclareça que, durante a explanação efectuada, em nenhum momento foi feita qualquer alusão ao texto legalmente em vigor em 27 de Novembro de 1993, data da assinatura da proposta de filiação do município como associado da ACIB, tendo sido criada a convicção de que o regime então vigente era similar ao actualmente em vigor, convicção essa a que não pode deixar de ser associado o facto de, no momento da discussão e apreciação do assunto, os vereadores não estarem munidos de qualquer elemento de análise, quer a proposta propriamente dita quer os textos da anterior e actual legislação aplicável; e perante ‘isto’, e por terem dado crédito à bondade da ‘estória’ contada, os vereadores da oposição nenhum obstáculo suscitaram à aprovação da proposta, convencidos que a lei vigente em 1993 impunha o mesmo condicionalismo previsto na lei actualmente em vigor ou seja, a associação do município com entidades privadas depende de deliberação da câmara municipal e subsequente autorização da assembleia municipal.
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E quando o assunto parecia ‘morto e enterrado’, eis que na última edição do JORNAL DA BAIRRADA a ACIB resolveu tornar público um comunicado, no qual referiu que as relações com o município “sempre foram transparentes, e de cooperação, no sentido de defender os interesses dos empresários do concelho e da região”.
Face a este ressurgimento do assunto na ordem pública, e depois de uma leitura atenta da legislação aplicável à situação na data de assinatura da proposta de filiação do município como associado da ACIB (27 de Novembro de 1993), o que se verifica é que o art. 39º, nº 2, al. h) da Lei nº 100/84, de 29 de Março, apenas exigia à assembleia municipal autorização para a associação do município com entidades públicas; e isto, não obstante as competências atribuídas à assembleia municipal terem sido intermediariamente alteradas pela Lei nº 18/91, de 12 de Junho sem que, todavia, o legislador tivesse introduzido quaisquer alterações no referido dispositivo, o que permite concluir que até à alteração legislativa de 1999, apesar das inovações e dos aperfeiçoamentos de carácter técnico-jurídico introduzidos pela alteração legislativa de 1991, o legislador não entendeu pertinente exigir às assembleias municipais qualquer autorização para a associação dos municípios com entidades privadas. Ou seja: quando em 27 de Novembro de 1993 foi subscrita a proposta de filiação do município como associado da ACIB, a legislação não condicionava a filiação dos municípios a entidades privadas à autorização da assembleia municipal sob proposta do órgão executivo; tal condicionalismo apenas operava em relação às entidades públicas.
Ora, como é sabido, a ACIB não é uma entidade pública, mas sim privada; e por isso, só por enviesada interpretação é que pode concluir-se que, 27 de Novembro de 1993, a filiação do município como associado da ACIB carecia de deliberação da câmara e autorização da assembleia municipal. Tal interpretação, para além de obtusa é engenhosamente falaciosa, própria de quem quer escamotear o facto de a ACIB não ser uma colectividade pública mas sim privada, que apenas em 18 de Julho de 2008, ou seja quase quinze anos depois da data da filiação do município como seu associado, viu publicada em Diário da República a sua declaração como pessoa colectiva de utilidade pública.
Com a postura agora assumida, o presidente da câmara praticou em dose dupla, o que nunca podia ter praticado, não só porque a lei vigente em 1993 não exigia o que exige a lei actual, mas também porque esta não tem efeito retroactivo a momento anterior a 18 de Outubro de 1999.
Um primeiro exemplo paradigmático decorrente desta alteração legislativa decorre do facto de a lei actual atribuir competência à assembleia municipal para apreciar o inventário de todos os bens, direitos e obrigações patrimoniais e respectiva avaliação, bem como apreciar e votar os documentos de prestação de contas, ao passo que até 18 de Outubro de 1999, a lei então vigente apenas atribuía à assembleia municipal competência para aprovar anualmente o relatório de actividades, o balanço e a conta de gerência: se o presidente da câmara fosse coerente com a aplicação da regra que agora resolveu pôr em prática, consideraria ilegais os inventários de todos os bens, direitos e obrigações patrimoniais e respectiva avaliação, anteriores a 18 de Outubro de 1999, e como tal submetê-los-ia à aprovação da assembleia municipal, uma vez que a lei actual assim o exige.
Este é um exemplo prático que permite perceber que a tão apregoada ilegalidade de quase 17 anos relativa à filiação do município como associado da ACIB não passa, afinal, de indigência intelectual, sufragada por pareceres que coniventemente asseguram a vontade presidencial, como o asseguram os convenientes pareceres que inviabilizam a inclusão das intervenções de cada um dos intervenientes e das declarações de voto de vencido no texto das próprias actas, ou obstam ao envio dos documentos relativos à ordem do dia, em simultâneo com a convocatória.
Mas depois de a 'intelligentzia do poder' entender que a filiação do municipio à ACIB tinha de ser ratificada pelo próprio executivo, não se percebe por que razão não se atendeu ao facto de a alteração legislativa operada em 1999 ter passado a prever que a falta dessa ratificação é punida com a pena de anulabilidade (art. 68º, nº 3 da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro com as alterações da Lei nº 5-A/2002 de 11 de Janeiro), a qual, em si só, já nesta data estaria sanada pelo decurso do tempo dada a ausência da respectiva impugnação.
Mas depois de a 'intelligentzia do poder' entender que a filiação do municipio à ACIB tinha de ser ratificada pelo próprio executivo, não se percebe por que razão não se atendeu ao facto de a alteração legislativa operada em 1999 ter passado a prever que a falta dessa ratificação é punida com a pena de anulabilidade (art. 68º, nº 3 da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro com as alterações da Lei nº 5-A/2002 de 11 de Janeiro), a qual, em si só, já nesta data estaria sanada pelo decurso do tempo dada a ausência da respectiva impugnação.
Percebe-se agora que, quando o presidente da assembleia municipal solicitou ao presidente da câmara que explicasse muito bem explicadinha a razão da submissão da proposta ao órgão deliberativo, nada disso tenha sido feito; o que aconteceu foi que depois de uma lamentável e descarada facécia em obter do órgão executivo uma deliberação desnecessária, a proposta de ratificação, por parte da assembleia municipal, da adesão do município como associado da ACIB mais não foi do que um malabarismo patético e cómico de instrumentalização deste órgão deliberativo para alcançar uma autorização destinada a ratificar um acto que só tem explicação no reprovável objectivo de menorizar, não só o anterior executivo mas principalmente os autarcas que, legitimados pelo voto, exerceram o poder autárquico no concelho; o que, sem qualquer pejo, foi feito mesmo beliscando o bom nome de uma instituição que tem por missão promover, apoiar, representar e defender os interesses das empresas suas associadas, bem como contribuir para o desenvolvimento económico e social da bairrada.
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Com a (inócua) deliberação tomada pelo órgão executivo e a autorização (frívola) da assembleia municipal, com vista a erguer a bandeira da eliminação de 'uma ilegalidade com quase 17 anos' pode, no entanto, ter sido criado um imbróglio para a consciência, não só do presidente da câmara mas também de cinco dos seis vereadores que integram o executivo municipal.
O que se explica como segue.
No seio do executivo tem sido cumprida uma regra que contempla não uma, mas duas excepções.
Primeira excepção: sempre que estão em causa assuntos que envolvam associações, e com excepção da minha pessoa, declaram-se impedidos os membros (presidente e vereadores) que são associados dessas associações; quanto a mim, e porque entendo que apenas há impedimento nas situações em que há exercício de poderes de gestão no âmbito dos órgãos sociais dessas colectividades (o que, relativamente à minha pessoa, não acontece com nenhuma das associações concelhias de que sou filiado), nunca me declaro impedido quando os assuntos em apreciação e votação envolvem as associações de que sou associado.
A segunda excepção a esta regra envolve os Bombeiros Voluntários de Oliveira do Bairro, colectividade de que são associados 5 dos 7 membros do executivo, mas em relação à qual, e sem qualquer justificação que explique a diferença de postura relativamente às demais colectividades de que são associados, nenhum destes se declara impedido, sendo que em relação à minha pessoa, o meu não impedimento assenta no entendimento anteriormente expsto.
Pelo que se deixa exposto, todos os demais membros do executivo perfilham do entendimento de que basta a mera condição de associado para determinar o seu impedimento.
Aqui chegados, importa recordar que nos termos do art. 24º, nº 4 do Código de Procedimento Administrativo, não podem estar presentes no momento da discussão nem da votação os membros dos órgãos colegiais que se encontrem ou se considerem impedidos; e, nos termos do art. 44º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma, nenhum titular de órgão ou agente da administração pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da administração pública, quando nele tenha interesse como representante de outra pessoa (singular ou colectiva).
Tudo isto para ponderar no seguinte: sendo o município associado da ACIB, e sendo o presidente da câmara e os cinco vereadores que preconizam o respectivo impedimento a partir da mera condição de associado, representantes do município, que é pessoa colectiva associada da ACIB, será que vão declarar-se impedidos em todas as deliberações que envolvam esta associação? E quanto às deliberações em que participaram, designadamente as que respeitam às cedências de instalações: será que se consideram válidas, ou será que vai ser proposta a sua revogação?
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NOTA FINAL: Sendo o executivo e a assembleia municipais 'estruturas colectivas com especificidades próprias, que exigem de todos os seus membros um mínimo de solidariedade institucional sob pena de estes órgãos ficarem comprometidos na sua idoneidade', o que se espera é que com a publicação deste post não surja por aí quem o considere desrespeitoso com tais valores mínimos da solidariedade; porque a verdade é que se trata de um mero artigo de opinião, que não insulta ou ofende pessoal e institucionalmente quem quer que seja, antes descreve mais um episódio da asfixia democrática que agonia o concelho, esse contínuo percurso de caça às bruxas que noutros tempos teria lugar assegurado num dos capitulos do Malleus Maleficarum.
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Com a (inócua) deliberação tomada pelo órgão executivo e a autorização (frívola) da assembleia municipal, com vista a erguer a bandeira da eliminação de 'uma ilegalidade com quase 17 anos' pode, no entanto, ter sido criado um imbróglio para a consciência, não só do presidente da câmara mas também de cinco dos seis vereadores que integram o executivo municipal.
O que se explica como segue.
No seio do executivo tem sido cumprida uma regra que contempla não uma, mas duas excepções.
Primeira excepção: sempre que estão em causa assuntos que envolvam associações, e com excepção da minha pessoa, declaram-se impedidos os membros (presidente e vereadores) que são associados dessas associações; quanto a mim, e porque entendo que apenas há impedimento nas situações em que há exercício de poderes de gestão no âmbito dos órgãos sociais dessas colectividades (o que, relativamente à minha pessoa, não acontece com nenhuma das associações concelhias de que sou filiado), nunca me declaro impedido quando os assuntos em apreciação e votação envolvem as associações de que sou associado.
A segunda excepção a esta regra envolve os Bombeiros Voluntários de Oliveira do Bairro, colectividade de que são associados 5 dos 7 membros do executivo, mas em relação à qual, e sem qualquer justificação que explique a diferença de postura relativamente às demais colectividades de que são associados, nenhum destes se declara impedido, sendo que em relação à minha pessoa, o meu não impedimento assenta no entendimento anteriormente expsto.
Pelo que se deixa exposto, todos os demais membros do executivo perfilham do entendimento de que basta a mera condição de associado para determinar o seu impedimento.
Aqui chegados, importa recordar que nos termos do art. 24º, nº 4 do Código de Procedimento Administrativo, não podem estar presentes no momento da discussão nem da votação os membros dos órgãos colegiais que se encontrem ou se considerem impedidos; e, nos termos do art. 44º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma, nenhum titular de órgão ou agente da administração pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da administração pública, quando nele tenha interesse como representante de outra pessoa (singular ou colectiva).
Tudo isto para ponderar no seguinte: sendo o município associado da ACIB, e sendo o presidente da câmara e os cinco vereadores que preconizam o respectivo impedimento a partir da mera condição de associado, representantes do município, que é pessoa colectiva associada da ACIB, será que vão declarar-se impedidos em todas as deliberações que envolvam esta associação? E quanto às deliberações em que participaram, designadamente as que respeitam às cedências de instalações: será que se consideram válidas, ou será que vai ser proposta a sua revogação?
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NOTA FINAL: Sendo o executivo e a assembleia municipais 'estruturas colectivas com especificidades próprias, que exigem de todos os seus membros um mínimo de solidariedade institucional sob pena de estes órgãos ficarem comprometidos na sua idoneidade', o que se espera é que com a publicação deste post não surja por aí quem o considere desrespeitoso com tais valores mínimos da solidariedade; porque a verdade é que se trata de um mero artigo de opinião, que não insulta ou ofende pessoal e institucionalmente quem quer que seja, antes descreve mais um episódio da asfixia democrática que agonia o concelho, esse contínuo percurso de caça às bruxas que noutros tempos teria lugar assegurado num dos capitulos do Malleus Maleficarum.