terça-feira, 9 de novembro de 2010

ERA UMA VEZ...

O PESO DO DEVER

Era uma vez um cavaleiro, desses que havia dantes, de lata por fora, fechados por dentro, e de comprida lança levantada, com uma bandeira na ponta, a flutuar ao vento? Estão a ver, não estão?

O cavalo que suportava este cavaleiro não tinha grande vocação para cavalarias altas.
- Se o meu dono dispensasse a armadura, até o caminho passava a ser mais macio.

Conversa de cavalo cansado?  Talvez o tivesse percebido o cavaleiro, porque à beira de um regato susteve a marcha do cavalicoque e apeou-se. Apetecia-lhe tomar um banho. Desfez-se da pesada armadura, enquanto o cavalo pastava, e foi procurar um sítio mais fundo, onde pudesse banhar-se a seu gosto.
- Quem me dera que a história se ficasse por aqui, suspirava o cavalo, aliviado.

Uns meliantes, salteadores de estrada, que por ali estavam escondidos, viram o cavaleiro afastar-se e acharam que era boa altura para agir. Cobiçaram a armadura e cobiçaram o cavalo. Este, adivinhando-lhes as intenções, fugiu-lhes a tempo. Que levassem a armadura! Era da maneira que o resto da jornada menos custaria. Carregar um cavaleiro, sem a casca-carapaça de ferro e lata, valia por um passeio.

De longe, o cavalo viu os ladrões alcançarem as peças da armadura para cima de um macho desgraçado. Teve um rebate. O dono tão desprevenido e ninguém que o avisasse. Só se ele, cavalo, tomado a brios? Mas para quê, se o assunto não era da sua conta? Ou seria? Afinal, talvez fosse?

O cavalo relinchou um alarme. Logo o cavaleiro, que deixara a espada na margem, se apercebeu do perigo. Agarrou no espadão e, mesmo nu e a pingar, saltou para o cavalo e fez frente aos salteadores, que fugiram, mais o macho, largando tudo, numa grande balbúrdia de lata amolgada.

Revestido de novo da sua vaidosa armadura, o cavaleiro, fincando os joelhos de ferro nos lados da montada, incitou-a a prosseguir caminho. Carregado ao peso do dever, o cavalo obedeceu.

António Torrado e Cristina Malaquias, aqui