sexta-feira, 1 de outubro de 2010

VIOLÊNCIA DE ESTADO

Faz no próximo domingo 100 anos que teve início a revolta de marinheiros e soldados que haveria de levar dois dias depois à implantação da República em Portugal.

Como se pode ler no recém-publicado ‘Nobre Povo', o novo livro de Jaime Nogueira Pinto lançado ontem em Lisboa, a I República foi em grande medida um acto de vontade de um punhado de homens corajosos, alguns bem-intencionados, muitos desiludidos com o papel da monarquia na defesa das colónias ultramarinas, outros movidos por paixões pessoais, políticas e ideológicas.

O regime que durou entre 5 de Outubro de 1910 e 28 de Maio de 1926 corresponde a um dos períodos mais violentos da História de Portugal do século XX. Golpes e revoluções, atentados bombistas, grupos armados, legiões vermelhas, perseguições à Igreja Católica e aos seus fiéis, assassinatos políticos, balbúrdia popular e absoluto desgoverno fazem parte da época que o país se prepara para comemorar.

Não existem razões para festejos. António de Oliveira Salazar é uma consequência directa da I República. Foi o ditador de Santa Comba Dão quem inventou "o país dos brandos costumes" e tornou a violência monopólio do Estado.

Basta ler o ‘Correio da Manhã' para perceber a violência privada que percorre o país. Casos de uma brutalidade atroz que se sucedem todos os dias, de norte a sul de Portugal. Talvez não seja politicamente correcto dizê-lo, mas esta violência desmente a ilusão de que os portugueses sejam um povo de brandos costumes.

Esta violência não é organizada e não encontrou até agora um catalisador, alguém que a saiba aproveitar e utilizar em termos políticos, como aconteceu no passado, na Europa e em Portugal, desde logo durante a I República. Até agora.

Numa altura em que vivemos um dos momentos mais negros da democracia, com a credibilidade dos governantes que temos a bater no fundo e uma crise económica e financeira sem precedentes, convém não esquecer estes simples factos.

A ausência de soluções para o crescente desemprego, que atinge hoje um exército potencial de 600 mil portugueses, deveria merecer uma maior reflexão.

A indignação é justa quando se ouve Almeida Santos dizer que "o povo tem de sofrer as crises como o Governo as sofre". O socialista histórico que percorreu quase todos os mais altos cargos no PS e no Estado já tem idade para algum juízo. A paciência do "povo" também tem limites.

Paulo Pinto Mascarenhas, aqui