terça-feira, 26 de outubro de 2010

O QUE TEM DE SER...

1. A situação a que as finanças públicas chegaram recomenda acção rápida e radical. Já assim era há um ano ou há seis meses.

Os nossos credores e as instituições internacionais acreditam cada vez menos em nós. Têm pressa de ver resultados. Nestas circunstâncias, tomam-se decisões que vão de encontro a essas pretensões. Não é resignação, é a vida. Os partidos fora do arco do poder podem desenhar cenários alternativos. Resumem-se a bravatas. Dizem-nos o que deveríamos fazer, mas não como.

2. Não admira, por isso, que se aprove hoje o que, noutro contexto, consideraríamos menos adequado. É o caso do corte salarial aplicado a todos os funcionários públicos, sem distinção, salvaguardando apenas as remunerações mais baixas. É a confissão de não ter a certeza que outras medidas produzam os indispensáveis cortes na despesa pública a tempo e horas. Ao tomá-la, congela-se a anterior orientação de diferenciar as remunerações consoante o desempenho, penalizam-se os mais dedicados e competentes, corre-se o risco de os ver migrar para o sector privado, reduzindo a Administração Pública a reduto de alguns idealistas do serviço público e asilo de quem não tem alternativa.

Tudo isto é do conhecimento de quem tomou a decisão, o que evidencia uma quase total falta de graus de liberdade. Quase total! Não haveria espaço para se salvaguardar alguns dos pouco processos virtuosos entretanto iniciados? Nicolau Santos, no "Expresso", dá exemplos de unidades avaliadas com excelente. São o futuro da Administração Pública. Não faria sentido reconhecê-las e premiá-las? Custa pouco. Um pequeno aumento de IRS nos super-rendimentos (por exemplo, acima dos 250 mil euros) arrecadaria receita suficiente. Nesse escalão estão gestores e empresários que gostam de recompensar o mérito. Tenho a certeza de que dariam o dinheiro por bem empregue... Em alternativa, há sempre a hipótese de aumentar o preço das chicletes que enxameiam os passeios ou taxar os donos dos cãezinhos que conspurcam os espaços públicos que poderiam ser usados por crianças.

3. Um sinal errado seria, também, cortar, por igual, nos consumos intermédios das empresas públicas. Se todas fossem bem (ou mal) geridas, não haveria problema. Quem analisa o sector diz não ser assim: há empresas que foram fazendo o seu caminho para a eficiência, enquanto outras arrastaram os pés.

Se as tratarmos todas da mesma forma, estaremos a premiar quem deixou andar e tem muita gordura para cortar. Nas outras, pode ser impossível alcançar a mesma redução o que, no limite, poderá conduzir à demissão dos gestores mais competentes. Quem decide sabe tudo isto pelo que, acredito, as notícias não serão correctas e haverá diferenciação.

4. Tais cortes nos consumos intermédios significarão uma redução drástica de encomendas para muitas PME. É um crime manter gastos desnecessários, mas é ilusório pensar que o saneamento das empresas públicas começa e acaba nelas, como se fossem um sector aparte da economia. A redução propaga-se e multiplica-se pela economia dentro. A recessão também passa por aqui. Não há que esconder: a cura vai doer.

Alberto Castro, aqui