domingo, 24 de outubro de 2010

MOSQUITOS MUTANTES ATRASAM COMBATE À MALÁRIA

Os cientistas estavam à espera da confirmação: os transmissores da malária estão a evoluir. Erradicar a doença tornou-se mais complexo.

À vista desarmada parecem mosquitos iguais a todos os outros, e até há pouco tempo pensava-se que por dentro também fossem. Uma equipa internacional de investigadores descobriu que no reino dos Anopheles gambiae, os principais transmissores de malária na África subsariana, há duas estirpes que estão a seguir caminhos evolutivos diferentes, com tantas diferenças genéticas que podem mesmo vir a dificultar as actuais estratégias para a erradicação da doença infecciosa que afecta 200 milhões de pessoas em todo o mundo e, segundo a Organização Mundial de Saúde, ainda mata em África uma criança a cada 30 segundos.

Dois estudos publicados esta semana na revista "Science" demonstram, com base em amostras de Anopheles gambiae recolhidas em 2005 no Mali, que a diferenciação genética destes mosquitos está a decorrer mais depressa do que se pensava. A equipa liderada por investigadores do Imperial College London revela que os tipos M e S deste mosquito poderão em breve tornar-se espécies diferentes, ao ponto dos insecticidas que hoje funcionam para ambas poderem deixar de ser eficazes. Maria Mota, responsável pela Unidade de Malária do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, explica ao i que dois trabalhos mostram "preto no branco" aquilo que parecia ser óbvio, mas ainda ninguém tinha conseguido demonstrar. "Vêm adicionar mais uma camada de complexidade a qualquer processo de controlo ou erradicação de malária", explica. No caso de insecticidas falharem para um grupo de novos mosquitos para os quais nunca foram testados em laboratório, a investigadora acredita que as consequências podem ser graves. "Imagine-se que os mosquitos que resistem se tornam muito melhores transmissores e agora sem competição no seu nicho! Depois destes artigos, a introdução de qualquer estratégia vai com certeza implicar testá-la em várias estirpes ou espécies."

São conhecidas diferentes estirpes da espécie Anopheles gambiae, o principal vector de transmissão do parasita Plasmodium falciparum, uma das quatro espécies de Plasmodium que provocam a malária em humanos. O que os autores propõem é que em vez de se actuar só contra o Anopheles gambiae como espécie isolada, entrem em jogo muito mais variáveis. O processo é darwiniano: as mutações e as variações genéticas estão sempre a acontecer, mas as que acabam por conferir vantagens numa determinada população são seleccionadas e tendem a tornar-se dominantes. Nos novos artigos, os cientistas referem que as diferenças são transversais a todo o genoma e podem afectar comportamentos chave no controlo destes insectos como a forma como se alimentam e reproduzem. Para Maria Mota, estão em aberto questões que agora têm novos caminhos como tentar perceber se mosquitos diferentes têm impacto no tipo de parasitas que transmitem, por exemplo, se estes são mais ou menos virulentos.

Enquanto não existe uma vacina eficaz contra a malária e serviços de saúde que comportem a distribuição de tratamento nos 108 países onde a malária é endémica, a Organização Mundial de Saúde sustenta que o controlo dos mosquitos continua a ser a medida mais eficaz para prevenir a transmissão de malária. Num relatório global publicado no final do ano passado, um dos destaques era que entre 2006 e 2008 a cobertura de redes com insecticidas nos lares africanos passou de 17% para 31%. São avanços como este que poderão ter de ser replaneados no futuro, se começarem a falhar.

Marta F. Reisaqui