1. Mais de meio milhão de crianças. Ou melhor, 504 096 crianças.
Levantando um pouco mais a ponta do véu, posso adiantar que encontrei o número no relatório apresentado, há uns dias, pelo Conselho Nacional de Educação.
Um relatório em que se fica a saber que apenas 30% dos alunos chegam ao 12º ano de escolaridade: no ano lectivo de 1994/1995, entraram 109 mil crianças no primeiro ano de escolaridade; doze anos depois, em 2005/2006, apenas 32 mil se mantinham na escola. Um cenário miserável que, segundo os especialistas, se resolverá, por exemplo, com estratégias diferentes para lidar com o insucesso escolar, ou seja, com o fim dos chumbos.
Não sei se os conselheiros olharam bem para os números que apresentaram. Porque o meu olhar fixou-se foi naquelas 504 096 crianças abrangidas pela Acção Social Escolar. Para quem não estiver familiarizado, são as crianças que dependem do apoio financeiro do Estado para comprar livros e material escolar. E que dependem das cantinas escolares para comer. Numa palavra, são 504 096 crianças pobres. A dimensão da catástrofe social fica ainda mais perceptível quando se percebe que correspondem a quase metade das crianças portuguesas que frequentam as nossas escolas.
Podem os nossos especialistas em educação promover os debates que entenderem sobre os prós e os contras dos chumbos, sobre a formação dos professores, os currículos de Matemática, a qualidade das instalações. Isso de nada servirá enquanto metade das crianças portuguesas que frequentam as nossas escolas forem vítimas da pobreza. Mas isto, já se sabe, não interessa discutir. Importante é ter um Orçamento que agrade aos mercados.
2. Numa semana em que também ficámos a saber que cerca de 460 mil portugueses passam fome ("sérias perturbações no acesso a alimentos", na linguagem técnica do nosso Instituto Nacional de Estatística); em que ficámos a saber que cerca de 2,14 milhões de portugueses são pobres (em "privação material", segundo o INE); em que ficámos a saber que mais de meio milhão de crianças que frequentam as nossas escolas são vítimas da pobreza; numa semana, dizia, em que ficámos a saber tantas coisas que preferíamos não saber, nada como mais uma manifestação de novo-riquismo no processo do BPN.
Como se já não chegassem os 4600 milhões de euros que o banco público (CGD) lá enterrou, para não mais recuperar, o nosso Governo fez agora saber aos potenciais interessados na compra do BPN que está disponível para doar 400 milhões de euros adicionais, directamente dos cofres do Estado. Começamos a perceber melhor para onde serão canalizadas as receitas extraordinárias que o Fisco nos vai sacar nos próximos meses. E o que é um Orçamento que agrada aos mercados.
Rafael Barbosa, aqui