terça-feira, 19 de outubro de 2010

1 DE JANEIRO DE 2011

O líder do PSD admitiu, ontem, que Portugal poderá ficar numa situação "muito difícil", se não tiver Orçamento do Estado (OE) para 2011.

Numa entrevista ao diário alemão "Frankfurter Allgemeine", Passos Coelho escusou-se, no entanto, a adiantar o sentido de voto do seu partido no Parlamento. Mantém-se o tabu, portanto.

Na verdade, o tabu de Passos Coelho é, por assim dizer, um "tabuzinho". Nas última semanas, ainda que sem perderem a oportunidade para fustigar o Governo, vários altos responsáveis do PSD passaram a usar um traço comum no discurso: a abertura de uma linha de diálogo que parecia não ter retorno, desde que o líder social democrata disse em público que não voltaria a reunir com o primeiro ministro sem testemunhas.

De modo que, nos próximos tempos, assistiremos a um novo apertar de mão entre José Sócrates e Passos Coelho. Os dois sabem que o país caminha sobre o fio da navalha. E sabem que, ao mais pequeno descuido, o corte pode ser muito profundo. Talvez mesmo irrecuperavelmente profundo.

Seja o acordo entre Governo e PSD de que tipo for, há duas realidades incontornáveis para os portugueses.

Primeira realidade: a partir de 1 de Janeiro de 2011, o juízo que não tivemos durante anos a fio (sim, podemos discutir à exaustão a origem da culpa do desastre, mas isso, lamentavelmente, não expia os nossos pecados) começa a ser-nos cobrado sob a forma de corte nos salários, corte nos benefícios e deduções fiscais, aumento dos preços, etc., etc.. O dia em que seríamos obrigados a mudar de vida tinha de chegar. Chegou.

Segunda realidade: convinha perceber que a guinada que estamos obrigados a dar enquanto cidadãos, contribuintes e país se prolongará por muitos anos. Serão anos de sofrimento, de agonia, de dor... Mas, sem eles, mais cedo do que tarde voltaremos ao mesmo ponto em que hoje estamos. É que, depois do combate ao défice, há um outro para travar: o combate à dívida.

Quando chegarmos aos malfadados 3% do défice das contas públicas, teremos acumulado uma dívida que rondará os 90% (!) do nosso Produto Interno Bruto (a riqueza produzida anualmente pelo país). Pôr estas duas variáveis (défice e dívida) no sítio vai demorar anos - anos em que todos seremos chamados a pagar mais.

É por isso que qualquer acordo entre PS e PSD só terá sentido, só será um acordo de Estado, se conseguir ir além da mera causa de circunstância e da apetecível mercearia eleitoral.

Um pacto com esta amplitude e responsabilidade será, de resto, um passo politicamente mais importante para Passos Coelho do que para José Sócrates. Por uma razão muito simples: o líder do PSD guarda, por força das circunstâncias, um módico de credibilidade junto do eleitorado que o primeiro ministro há muito esgotou.

Paulo Ferreira, aqui