sábado, 4 de setembro de 2010

POLÍTICA ERRÁTICA

Foram publicadas esta semana a décima nona alteração do Código de Processo Penal (CPP) e a vigésima quinta alteração do Código Penal (CP). Se a revisão do Código Penal traz algumas novidades importantes, a revisão do CPP constitui um regresso ao passado, revelando uma política criminal errática.

As principais novidades da revisão do CP são as novas incriminações do recebimento indevido de vantagem e da violação de regras urbanísticas. O primeiro crime pune o funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, bem como quem der ou prometer essa vantagem indevida ao funcionário. O segundo crime pune quem proceder a obra de construção, reconstrução, ou ampliação de imóvel que incida sobre via pública, terreno da Reserva Ecológica Nacional, Reserva Agrícola Nacional, bem do domínio público ou terreno especialmente protegido por disposição legal, consciente da desconformidade da sua conduta com as normas urbanísticas aplicáveis. Ambas as incriminações constituem opções políticas importantes, não obstante as imperfeições técnicas de que padece o respectivo regime punitivo.

As principais novidades da revisão do CPP são a fixação dos prazos alargados do inquérito sem presos quando se investiguem crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º ou o procedimento se revelar de excepcional complexidade, a suspensão dos prazos do inquérito quando haja carta rogatória e a consagração da sentença simplificada no processo sumário e abreviado. No mais, a revisão do CPP de 2010 apenas revoga algumas das opções políticas mais emblemáticas da reforma de 2007, adiando a resolução dos problemas de fundo da justiça criminal.

Com efeito, em 2007, o legislador restringiu a aplicabilidade da prisão preventiva aos crimes dolosos puníveis com pena de prisão superior a cinco anos. Esta regra teve a consequência negativa de vedar a prisão preventiva relativamente a crimes muito frequentes e graves, como o furto e o dano qualificados. Ela foi logo afastada, depois do Verão violentíssimo de 2008, pela nova lei das armas, a lei n.º 17/2009, que admitiu a prisão preventiva para crimes de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crimes cometidos com arma puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos. Agora, o legislador vai mais longe, prevendo a aplicação da prisão preventiva aos crimes dolosos de ofensa à integridade física qualificada, furto e dano qualificados, entre outros crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.

Em 2007, o legislador proibiu ao Ministério Público a interposição de recurso de decisões relativas a medidas de coacção em detrimento do arguido. Esta regra teve o resultado nefasto de impedir a sindicância por um tribunal superior de qualquer decisão judicial de não aplicação ou revogação de medida de coacção. Agora, o legislador consagra a regra contrária, admitindo que o MP também pode impugnar decisões sobre medidas de coacção em detrimento do arguido.

Em 2007, o legislador restringiu a detenção fora de flagrante delito aos casos em que houvesse fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria voluntariamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado. Esta regra teve a consequência catastrófica de vedar a detenção fora de flagrante delito em casos como os de violência doméstica, em que havia perigo de continuação criminosa, mas não havia perigo de fuga. Ela foi logo afastada na referida lei das armas e depois na lei da violência doméstica, a lei n.º 112/2009. Agora, o legislador vai mais longe, pondo fim aos poderes extraordinários de detenção fora de flagrante delito da Polícia Judiciária e repondo pura e simplesmente a detenção em flagrante delito também quando se verifique perigo de continuação criminosa.

Em síntese, a revisão do CPP de 2010 é o sinal mais óbvio de uma política criminal errática, que tem marcado os últimos anos. Tal como em 2000 se fez uma minirreforma do CPP para rever as opções da revisão de 1998, também agora em 2010 se tem de aprovar uma nova minirreforma do CPP para rever as opções de 2007. No meio de tanta instabilidade legislativa, o cidadão é quem perde.

Paulo Pinto de Albuquerque, aqui