No nosso ordenamento jurídico, a Comunicação Social não está prevista como instância de recurso. Apesar dessa falta de previsão do legislador, nos últimos anos os jornais, as rádios e as televisões têm funcionado como primeira e última instância dos processos judiciais findos ou em curso.
Trata-se de uma mistura conceptual entre a falta de confiança dos agentes da Justiça na própria Justiça, quando a Comunicação Social é usada antes ou no decurso dos processos e a justiça feita pelas próprias mãos, quando é depois da sentença que vêm a lume as peças processuais ou as opiniões e estados de espírito do pessoal da Justiça que não viu as suas teses plasmadas na sentença.
Já nem sequer é da violação do famigerado segredo de Justiça que se trata. Falo de verdadeiros julgamentos na praça pública que não só são julgamentos feitos por quem não está preparado para conduzir um julgamento, como são normalmente de uma injustiça atroz porque nunca é devidamente assegurado o famoso princípio do contraditório. Ou porque não dá jeito ao jornal e pode estragar o título, ou porque simplesmente dá muito trabalho.
Não deixa de ser curioso que de cada vez que um tribunal atropela a "liberdade" de um media decidindo contra ele ou impondo-lhe alguma publicação a contragosto, é um ai Jesus que a democracia está em perigo e vai voltar a censura. Já quando é a Comunicação Social que atropela a Justiça atrevendo-se a decidir por ela, a truncar as suas decisões ou a esvaziar de conteúdo e impacte as sentenças que desmentem as teses alimentadas pelos órgãos de Comunicação Social (OCS) durante meses ou anos, não se passa nada, errar é humano e já se sabe que a liberdade tem um preço e a democracia não é um sistema perfeito mas ainda é o melhor que se conhece.
Acontece que porventura ao contrário do que o leitor está à espera, penso que não são os OCS os principais culpados desta situação. Os media fazem o papel de "silent partner" nestas embrulhadas, limitando-se a não rejeitar o que os agentes da Justiça e os "opinion makers" da política lhes oferecem de mão beijada... e gratuita.
Exemplificando com os últimos desenvolvimentos do Freeport, os culpados do costume são os magistrados do Ministério Público que não foram competentes ou no mínimo não souberam perder e os políticos e politólogos que vieram para os media fingir que os procuradores do caso não foram capazes de fazer 27 perguntas ao primeiro-ministro porque não tiveram tempo.
A Comunicação Social nunca arranjaria uma desculpa destas... nem seria capaz de acreditar nela. Limita-se a dar voz a esses pobres de espírito, porque também é deles o reino dos media.
Manuel Serrão, aqui