Professor do Ensino Secundário há duas décadas, um amigo contou-me esta história: a paranóia com a estatística fez com que, em pleno Verão e depois de três reuniões inconclusivas sobre a necessidade de não reprovar um aluno, uma equipa de inspectores de uma direcção regional de Educação se deslocasse à escola para dirimir o diferendo. Conclusão: os inspectores incentivaram a passagem administrativa do aluno, apesar dos péssimos resultados alcançados no ano lectivo. Isto é: a direcção regional de Educação institucionalizou a vergonha.
Nem de propósito, dois dias depois desta conversa, a ministra da Educação fez saber que vê com bons olhos a possibilidade de acabar de vez com os chumbos nas escolas. A ideia não é propriamente nova: todos nos lembramos de que, por motivos mais ou menos prosaicos, antecessores de Isabel Alçada avançaram com idênticas propostas.
Mais do que isso: olhando para o que se tem feito ao longo dos úlitmos anos, percebe-se com facilidade que já foram dados muitos passos rumo a este objectivo. Exemplos? Há-os aos pontapés: os programas são cada vez mais curtos e fáceis; uma colecção de negativas não chega para ficar retido, como agora se diz; os exames não obrigam os meninos a grandes esforços; foram criadas coisas com nomes bonitos, como Área de Projecto ou Formação Cívica, que não contam e cumulativamente não servem para nada.
Aqui reside o problema político desta recorrente trapalhada educativa: os sinais de facilitismo são tão grandes e tão contínuos, tão díspares e inconsistentes, que, em boa verdade, é difícil vislumbrar uma estratégia cujo objectivo final seja, efectivamente, recuperar os alunos com mais dificuldades, de modo a mais tarde os integrar no mercado de trabalho com um mínimo de preparação.
Quero dizer: sem avaliar aqui a bondade da medida (sobre a qual tenho imensas dúvidas), mete-me muita impressão que se queira começar a casa pelo telhado. Os finlandeses, que a ministra tanto gosta de citar como bom exemplo, não andam a dar tiros no escuro, como nós andamos há muitos e penosos anos. Lá, por exemplo, as turmas são muito mais pequenas, os alunos muito mais acompanhados, os professores muito mais valorizados. E, no meio deste ecossistema limpo e claro, o rigor e a exigência são a pedra-de-toque da política educativa. É possível conciliar tudo isto sem loucuras e cedências à estatística. A ministra sabe-o. Mas nada disto será exequível enquanto inspectores se deslocarem a escolas para impor passagens administrativas.
Paulo Ferreira, aqui