quarta-feira, 21 de julho de 2010

MODERNIZAR A CONSTITUIÇÃO

1. O PSD não andou bem ao divulgar a sua proposta de revisão constitucional às colherezinhas - ou "aos bochechos" como diria uma figura que medra no nosso poder judicial e que tão bem o simboliza. Uma proposta deste cariz deveria ter sido apresentada como um todo coerente e com a dignidade institucional que uma alteração à lei fundamental significa. Antes de mais, o amparo deste projecto exigiria uma elucidação com algum revestimento jurídico por parte dos peritos que o elaboraram e só depois, estribada nesses primeiros argumentos, afluiria a defesa política. Ao deixar escapar a proposta em pormenores avulsos, o PSD pôs-se a jeito para receber as críticas ligeiras de quem nem sequer teve de pensar muito para antecipar um "não porque não". E, pior, muitos ficaram convencidos de que o assunto não é demasiado importante para merecer o tempo da sua estival atenção.

2. Grande parte das censuras à proposta do PSD distraem-se do seu conteúdo - são condenações apriorísticas que condenariam qualquer esforço de revisão. Ainda subsistem entendimentos da Constituição como um texto sagrado, inamovível, e que bradam "sacrilégio" perante qualquer tentativa da sua adaptação à contemporaneidade. Nos lugares mais insuspeitos, perduram resistências à higiénica expurgação dos restos do PREC e que desejam cristalizar o País nos idos anos setenta do século passado onde as suas mentes estacionaram sem que os próprios tenham sido devidamente notificados desse facto notório.

3. O ruído que as vozes socialistas têm perpetrado em torno da proposta deixa perceber que a sua central de informação mantém os níveis de eficiência bastante acima do desempenho governativo dos seus patrocinados. Quando o ministro Mendonça se enrodilha irrecuperavelmente nas Scut e nos deixa antever a instituição de um estilo capaz de enternecer o saudoso Manuel Pinho, no momento em que a ministra Helena André volta a patentear que é um trágico erro de casting e Sócrates se reduz a uma imagem penosa de um ardiloso já sem ardil que lhe valha, o PS desvia muitas atenções relevantes com ataques descarreirados a uma proposta que deveria estudar e negociar.

4. Globalmente, esta é uma boa proposta que se insere no ADN reformista do PSD. É extensa mas não intensa, isto é, não muda o figurino constitucional nem mesmo a sua lógica matricial - apenas os actualiza. Tenta reequilibrar os poderes do Presidente da República. Entre outras vantagens, aperfeiçoa o sistema político através do Conselho Superior da República, da moção de censura construtiva, e advoga a sua moralização impedindo a reeleição dos políticos infractores, extingue os governadores civis e o princípio da simultaneidade na criação das regiões e coloca as autoridades independentes fora do controlo do Governo.

5. Por último, os acólitos do PS têm avançado com objecções que nem merecem refutação expressa: advogar que não se pode discutir uma revisão constitucional porque estamos em crise e a seis meses de eleições presidenciais é um argumento demasiado pobre, política e inte- lectualmente.