quinta-feira, 3 de junho de 2010

OBITUÁRIO

Morreu ontem a tenebrosa figura responsável pela maciça fuga de portugueses que viviam em Angola, alguns dos quais abandonando a ex-província deixando por lá os teres e haveres que a dura vida de migrantes dentro do seu (então) próprio país lhes garantia.
Muitos destes, tão portugueses como o agora falecido, juraram a morte o famoso almirante se algum dia o vissem pela frente, com o protesto de um epitáfio que o consagrasse como “o pulha que, sem escrúpulos, traiu e roubou os seus concidadãos para obter benesses do regime ditatorial do MPLA, liderando a purga e promovendo o regresso na miséria de milhares de portugueses”.
Só a brandura dos nossos costumes terá levado a que a sentença popular não tivesse sido consumada por um qualquer desses retornados, que apesar de ostracizados pela generalidade da classe política nacional, foram capazes de recomeçar tudo de novo e de reconstruir com sucesso a sua vida sem quaisquer favores do Estado.
Trata-se pois, de um dos principais responsáveis pela tragédia que se abateu sobre Angola entre Outubro de 1974 e o Verão de 75, período durante o qual aí desempenhou o cargo de alto-comissário português, e no exercício do qual traiu os portugueses que ali viviam, aterrorizando-os com o objectivo de os fazer abandonar a terra que pacificamente ajudavam a construir, assim viabilizando e entrega desse país aos mercenários cubanos e aos interesses soviéticos, no cumprimento de instruções do Comando Operacional do Continente (COPCON) para colocar o MPLA na governação directa de Angola, tendo mesmo chegado a afirmar ao Diário de Luanda no dia da proclamação da independência deste país (11 de Novembro de 1975) que “o MPLA é o único movimento de libertação angolano”*
Com a sua morte, parte aquele que ajudou a escrever na História de Portugal, páginas impregnadas de morte, sangue e traição, que culminaram na chacina de cerca de dois milhões de vidas, mais de milhão e meio de refugiados, dezenas de milhares de órfãos e quase cem mil mutilados.
Quando morre alguém, é costume lembrar as suas qualidades.
Quando morre uma figura marcante da história de um país, é costume tecer elogios aos seus contributos para a sociedade.
Costuma ser assim, mas hoje não há qualidades para lembrar nem elogios para tecer.
* In http://www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_content&view=article&id=157%3Aregisto-de-documentacao-e-conteudos&catid=49%3Ajornais&Itemid=102&lang=pt