domingo, 13 de junho de 2010

JOGO POLÍTICO À VOLTA DE UMA NÃO-MENTIRA

O relatório final do inquérito à eventual compra da TVI pela PT conclui que Sócrates sabia do negócio. Mas, segundo o relator João Semedo, não foi possível provar como soube, pelo que o relator não arrisca uma única vez dizer que Sócrates mentiu. Neste jogo de palavras - recorde-se que Sócrates já dissera não ter tido conhecimento formal - o relator nem sequer arrisca dizer que o primeiro-ministro faltou à verdade.
Bem vistas as coisas, o relatório não adianta nada. Há muito que o português comum desligou do assunto, pela simples razão de que tendo percebido o essencial - que Sócrates sabia - percebeu também que tudo o resto era jogo político. Aliás, o relatório permite leituras consoante as cores políticas: lerá a culpa do primeiro--ministro quem a quiser ver, a sua inocência quem se agarrar ao facto de não se usar a palavra mentira. Seria rídiculo, se o assunto não fosse sério.
Tendo a comissão sido criada para apurar se houve mentira, dir-se-á que falhou em toda a linha. Mas não falhou. No fundo, a comissão foi criada - por impotência do PS em impedi-la - para manter brando o lume onde a reputação de Sócrates ia ardendo, com as chamas a avivarem-se sempre que Pacheco Pereira ou João Oliveira atiçavam o fogo. Sócrates mentiu? Pelos vistos não se pode dizer isso, mas pode recordar-se o silêncio comprometedor de Rui Pedro Soares, o esquecimento de Vara e o constante recurso a sigilos de justiça ou profissionais. E isso basta à Oposição, porque desde o princípio não pretendia mais do que diminuir a reputação do primeiro-ministro, enfraquecê-lo. Sócrates não mentiu, como ele sempre disse e continua a dizer, mas a verdade é que paga um preço elevado por não ter encarado de frente o problema.
Ontem, no "Diário de Notícias", Ferreira Fernandes, fazia, sobre este assunto, duas evocações muito pertinentes: em França, o Governo está a interferir na eventual venda de um grupo de média, ligado ao "Le Monde". Fá-lo às claras e com o apoio da Oposição. A outra evocação refere-se à forma como o Governo de Cavaco, nos idos de 90, vendeu à Lusomundo o DN e o JN. Sobre a falta de memória quanto ao negócio dos anos 90 não adiantará avançar muita coisa. O exemplo francês merece atenção cuidada. Dito de outra forma: mal do Governo que se põe à margem de um grande negócio que envolve um grande grupo económico e um importante grupo de média. Pior, só o Governo que se esconde, temendo que se pense estar a interferir na orientação editorial.

P.S.: A situação económica do país está insustentável, disse Cavaco no 10 de Junho. Poderá quem foi primeiro--ministro tantos anos, quem leva cinco como presidente e se prepara para outros cinco formular asserção tão grave e aparentemente tão direccionada?

José Leite Pereira in http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=Jos%E9 Leite Pereira