Uma manifestação como a que ontem promoveu a CGTP parece fazer pouco sentido, tão desfasada está da realidade. Não há que enganar: o dinheiro acabou. Pelo menos para quem quiser continuar a viver acima das suas possibilidades
Há dois dias, no "Público", Vasco Pulido Valente escrevia que, "quando saímos do PREC e Cavaco, por assim dizer, normalizou a economia, os portugueses resolveram viver como na Europa. Não sei se foi nessa ocasião, ou logo depois, mas a verdade é que, mais tarde, quando aderimos ao euro, nos convencemos mesmo que, com o escudo para trás, a nossa estabilidade monetária estava assegurada. O que acontece é que, sem a nossa velha e vulnerável moeda, deixou de haver os sinais de alarme que, anteriormente, tínhamos visto acender-se com frequência e que, depois, sob a capa do euro, não voltaram, porque a visão era panorâmica e não incidia sobre cada um dos países. Mas, sabemo-lo hoje, os erros estavam lá, como se sucessivos Governos, gente que não podia ignorar esses sinais, tivesse empreendido fugas para a frente, convencido de que quem viesse a seguir pagaria a factura.
Pois bem, a festa acabou. As luzes vermelhas acenderam-se para todos os países e os casos foram individualizados para que cada um assuma, depressa, as suas responsabilidades. De Bruxelas, saiu o aviso geral: "The more delay, more you pay", qualquer coisa como quanto mais se demorar, mais se vai pagar. O caso grego, potenciado por encobrimentos inqualificáveis, pode chocar muita gente, mas como exemplo não encontraremos melhor: comprometidos durante três anos com medidas verdadeiramente draconianas, os gregos não têm alternativa. Pode, um dia, o Parlamento helénico acordar e decidir em contrário dessas medidas que a única consequência que terá é a de ficar, no dia seguinte, sem dinheiro para pagar a militares, professores, médicos, à generalidade da Função Pública, sendo a falta de dinheiro rapidamente extensível ao sector privado.
A festa acabou e temos de pôr as contas em dia. E produzir mais, sob pena de termos medidas ainda mais duras. Possivelmente, muitas coisas que temos como adquiridas e certas nas nossas vidas e no nosso dia-a--dia vão recuar ou desaparecer. Ao nível das famílias o crédito está já mais difícil e caro, o que obriga a mudar de vida, mas cabe perguntar se o Estado poderá continuar a pagar a Saúde a todos, ou se cada um de nós terá de pagar uma parcela consoante os rendimentos? E o Ensino, não acabará por seguir o mesmo caminho? Será que um país como o nosso conseguirá manter um sector de Defesa com o peso que o nosso tem no Orçamento do Estado? Depois disso: conseguiremos manter os nossos salários e recebê-los 14 vezes por ano?
O nosso défice para este ano está fixado em 8,3%. Mas, para 2011, ele terá de baixar para os 4,6%. O salto será enorme e o esforço que nos vai ser pedido muito mais duro do que o já temos sobre a mesa. Perante um quadro como este, uma manifestação como a que ontem promoveu a CGTP parece fazer pouco sentido, tão desfasada está da realidade. O único sentido que faz e a única razão que lhe assiste é a de que é preciso responsabilizar os que trouxeram as coisas até aqui, mas não para os substituir por quem apresenta propostas que só aumentam a despesa. Um destacado dirigente europeu comentava há dias que é óbvio que há vida para além do défice, mas concluía, mordaz, que é uma vida pior. É que não haverá dinheiro para quem não cumprir as obrigações. O acordo a que chegaram PS e PSD ganharia se pudesse ser alargado a mais partidos e se as centrais sindicais pudessem dar o seu contributo. Seguramente chegar-se--ia a um acordo melhor e, possivelmente, mais justo. Mas não há que enganar: o dinheiro acabou. Acabou, pelo menos, para quem quiser continuar a viver acima das suas possibilidades.
P.S.: O PS acabará por dar o seu apoio a Alegre, mas já se percebeu que não será esfusiante, nem Sócrates conseguirá convencer todo o partido a votar nele. Por razões várias, Alegre é mais candidato do Bloco do que do PS. Assim, mesmo com alguma Direita descontente, Cavaco Silva já pode, como se diz no futebol, encomendar a faixa.
José Leite Pereira in http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=Jos%E9 Leite Pereira