sábado, 12 de julho de 2014

CRÓNICAS DO INFERNO

ACIDENTES DE TRABALHO

A 15 de Junho li que, nos primeiros cinco meses e meio de 2014, tinham morrido, em Portugal, 30 pessoas, e ficado feridas mais 55, em acidentes com tractores.

E que, em 2013, a Guarda Nacional Republicana registou 105 acidentes, com estes veículos, que provocaram 41 mortos e 62 feridos.

Num país decente estas notícias seriam impossíveis. Ninguém consegue imaginar um número assim num país civilizado.

Mas se, por qualquer situação extraordinária, acontecesse algo parecido as televisões, rádios e jornais fariam uma cobertura exaustiva e tentariam descobrir os motivos de tal tragédia.

E exigiriam responsabilidades.

Em Portugal o único jornal que deu a notícia fez uma chamada de primeira página que passou despercebida pois as parangonas iam para um “Escândalo porno no aeroclube de Tires”.

E para a bombástica informação de que “Meireles usa champô na barba”!

Depois de ler, atentamente, as aventuras das meninas acompanhantes de luxo, que se deixavam fotografar, mais ou menos despidas, junto a outros aviões, e de tentar descobrir a marca do champô utilizado por Meireles (para quem não saiba trata-se de Raul Meireles, um jogador que tem mais tatuagens no corpo do que golos na sua carreira), o que não consegui porque a notícia não divulgava essa importante informação, resolvi dar uma vista de olhos à reportagem dos acidentes de trabalho com tractores.

Escrevia o jornalista (Luís Oliveira, do “Correio da Manhã”) que “a negligência na condução e falta de manutenção dos veículos explicam os acidentes”.

E que a maioria das mortes seria evitada se os tractores estivessem apetrechados com um “arco de Santo António”. Que é, tão somente, um arco de ferro posto sobre o banco do condutor e que não custará mais do que umas poucas dezenas de euros.

Escrevia o jornalista: “Em caso de despiste e capotamento esta barra pode impedir o esmagamento do condutor” mas “o uso não é obrigatório e, apenas, recomendado” sendo que “os agricultores não o usam porque dizem não ser funcional para os trabalhos agrícolas, porque destrói árvores e impede a circulação do veículo em muitos locais”.

O tenente-coronel José Machado, da GNR de Viseu, por sua vez, garantiu que “a segurança está nas mãos dos condutores e tudo depende deles”. Além disso, recordava o militar, “muitos acidentes ocorrem em propriedades privadas onde não há fiscalização”.

Esta explicação, que reflecte bem o pensamento dos responsáveis (?), é que nos deveria provocar a maior revolta.

Como é possível que, num país onde se decreta todo o tipo de obrigações para os condutores de um automóvel normal – cinto de segurança, palas para os pneus, colete reflector, inspecções anuais, etc., etc., etc. – não haja a obrigação da colocação do tal “arco de Santo António” nos tractores?

Aliás, o mais correcto seria trazerem já esse arco desde a fábrica.

Setenta e um mortos e cento e dezassete feridos, em menos de ano e meio, não serão motivo de alerta?

Terá alguma lógica que o Estado não obrigue à inspecção periódica dos tractores?

Sabemos, todos, que os portugueses facilitam, sempre, no trabalho e que pensam que os acidentes só podem acontecer aos outros.

Mas sabemos, também, que o número de acidentados, nas obras de construção civil, baixou drasticamente desde que passou a ser obrigatório o uso de capacetes, a protecção nos andaimes e a utilização de todo o tipo de equipamentos de prevenção de acidentes.

E, também – quiçá principalmente – pelo facto de ter aumentado o número de inspecções e o valor das coimas aos faltosos.

Porquê, então, esta falta de legislação em relação aos veículos utilizados na agricultura?

O que acontece, também, por exemplo, em relação aos pescadores e à falta de legislação que os obrigue a usar coletes salva-vidas.

Ouvi, uma vez, a um então jovem estudante, hoje deputado da Nação, o seguinte desabafo: “Não sei do que morrerei. Mas tenho a certeza de que não será de parto nem de acidente de trabalho!”

Querem ver que foi um dos escolhidos para a Comissão de Agricultura e Mar da Assembleia da República?

Dê Moníaco, no jornal 'Região Bairradina' de 9 de Julho de 2014