A fama, já se sabe, é muitas vezes obra do acaso.
No caso de
Glória Araújo, nome que a esmagadora maioria dos leitores desconhecia até ontem,
a notoriedade pública não emergiu dos seus dotes de parlamentar - ainda que
esteja na Assembleia da República desde 2005 - mas, ironicamente, do resultado
de um sopro num balão numa rua de Lisboa.
Tendo um lugar em São Bento, Glória Araújo beneficia da imunidade parlamentar
que a lei lhe concede e, ao abrigo dessa prerrogativa, foi libertada. Desde
então guarda silêncio, invocando o foro privado do crime, porque é de um crime
que se trata. Aparentemente, tentar escapar entre os pingos da chuva e esperar
que nada venha a acontecer neste caso. Não é de estranhar.
Na vida pública
portuguesa (e não apenas na atividade política) tem-se vindo a promover a
cultura da impunidade. E esta é uma verdade especialmente notória entre a classe
política. Multiplicam-se os casos de corrupção, de falta de ética ou,
tão-somente, de moralidade duvidosa que se esfumam, ora no centrifugador
noticioso, ora na crónica morosidade da justiça.
Mas de um parlamentar (mais
ainda do que de um qualquer cidadão), espera-se que cumpra religiosamente a lei
e que, sobretudo, não mande às malvas a ética e a moral que devem reger a vida
pública - e também a privada - de um titular de um cargo dessa natureza. Mais
ainda quando a deputada, por triste ironia, até já pertenceu à Comissão
Interparlamentar da Segurança Rodoviária... É caso para dizer que se aplica na
perfeição o adágio popular: "olha para o que eu digo...".
Enquanto Glória Araújo se remete ao silêncio e o PS nada diz sobe o assunto,
Maria José Morgado anunciou que o Ministério Público vai pedir à Assembleia da
República o levantamento da imunidade da deputada socialista. Habituada a lidar
com a peculiar ética de muitos agentes da nossa vida pública, a diretora do
Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa foi já lembrando que este
procedimento pode "demorar semanas".
Entretanto, o social-democrata Mendes Bota, que lidera a dita Comissão para a
Ética, Cidadania e Comunicação (a que pertence Glória Araújo), vai dizendo que é
tradição levantar a imunidade "para que o procedimento criminal possa seguir o
seu curso, e para que o deputado se possa defender em juízo". Aos jornalistas,
Bota argumentou que "os deputados são seres humanos, têm falhas.
Os deputados
não têm atenuantes nem agravantes". Para líder de uma comissão de ética, talvez
fosse útil a Mendes Bota escutar uma transcrição livre, feita por Marques
Mendes, de uma citação de Sá Carneiro: "política sem ética é uma vergonha". E,
já agora, Glória Araújo também devia meditar sobre a ética - duvidosa - dos
titulares de cargos políticos.
E tomar, de um só trago, uma atitude.
Retirada daqui
|
Falemos sinceramente, como p'ra nós mesmos, a sós; lá longe de toda a gente, do mundo e até de nós. (António Aleixo - 1899/1949)