sábado, 12 de janeiro de 2013

... NÃO OLHES PARA O QUE EU BEBO

A fama, já se sabe, é muitas vezes obra do acaso

No caso de Glória Araújo, nome que a esmagadora maioria dos leitores desconhecia até ontem, a notoriedade pública não emergiu dos seus dotes de parlamentar - ainda que esteja na Assembleia da República desde 2005 - mas, ironicamente, do resultado de um sopro num balão numa rua de Lisboa. 

Na ressaca da sua festa de anos, a deputada, que também pertence à Comissão para a Ética, Cidadania e Comunicação, foi apanhada a conduzir com excesso de álcool no sangue a um nível (2,4 gramas por litro) que é o dobro da taxa que constitui crime. Foi, por isso, detida.

Tendo um lugar em São Bento, Glória Araújo beneficia da imunidade parlamentar que a lei lhe concede e, ao abrigo dessa prerrogativa, foi libertada. Desde então guarda silêncio, invocando o foro privado do crime, porque é de um crime que se trata. Aparentemente, tentar escapar entre os pingos da chuva e esperar que nada venha a acontecer neste caso. Não é de estranhar. 

Na vida pública portuguesa (e não apenas na atividade política) tem-se vindo a promover a cultura da impunidade. E esta é uma verdade especialmente notória entre a classe política. Multiplicam-se os casos de corrupção, de falta de ética ou, tão-somente, de moralidade duvidosa que se esfumam, ora no centrifugador noticioso, ora na crónica morosidade da justiça. 

Mas de um parlamentar (mais ainda do que de um qualquer cidadão), espera-se que cumpra religiosamente a lei e que, sobretudo, não mande às malvas a ética e a moral que devem reger a vida pública - e também a privada - de um titular de um cargo dessa natureza. Mais ainda quando a deputada, por triste ironia, até já pertenceu à Comissão Interparlamentar da Segurança Rodoviária... É caso para dizer que se aplica na perfeição o adágio popular: "olha para o que eu digo...".

Enquanto Glória Araújo se remete ao silêncio e o PS nada diz sobe o assunto, Maria José Morgado anunciou que o Ministério Público vai pedir à Assembleia da República o levantamento da imunidade da deputada socialista. Habituada a lidar com a peculiar ética de muitos agentes da nossa vida pública, a diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa foi já lembrando que este procedimento pode "demorar semanas".

Entretanto, o social-democrata Mendes Bota, que lidera a dita Comissão para a Ética, Cidadania e Comunicação (a que pertence Glória Araújo), vai dizendo que é tradição levantar a imunidade "para que o procedimento criminal possa seguir o seu curso, e para que o deputado se possa defender em juízo". Aos jornalistas, Bota argumentou que "os deputados são seres humanos, têm falhas. 

Os deputados não têm atenuantes nem agravantes". Para líder de uma comissão de ética, talvez fosse útil a Mendes Bota escutar uma transcrição livre, feita por Marques Mendes, de uma citação de Sá Carneiro: "política sem ética é uma vergonha". E, já agora, Glória Araújo também devia meditar sobre a ética - duvidosa - dos titulares de cargos políticos. 

E tomar, de um só trago, uma atitude.

Retirada daqui