segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A HISTÓRIA REPETE-SE

Quando Cavaco Silva acabou de falar, pensei: ‘Sim, senhor! Boa intervenção’.

A mensagem de Ano Novo do Presidente fora simples, didáctica, bem estruturada, tocando os vários temas que preocupam os portugueses.

Não era uma mensagem de apoio ao Governo, mas também não se podia dizer que alinhava com a oposição.

Cavaco explicou que promulgara o Orçamento porque seria muito pior para as pessoas não o promulgar – mas de seguida anunciou que ia enviá-lo para o TC.


Afirmou que Portugal tem de cumprir os compromissos assumidos e não deve renegociar a dívida – mas acrescentou que devemos ser mais duros nas negociações com os credores, para aliviarmos os encargos.

Reconheceu que Portugal reconquistou a credibilidade externa – mas que isso não basta, pois é necessário ter também a confiança dos portugueses.

O Presidente considerou ainda que uma crise política seria catastrófica, e que o caminho para a evitar é a busca de consensos entre as forças políticas.

Finalmente, disse que corremos o risco de entrar numa espiral recessiva – da qual só sairemos pela via do crescimento económico.


Analisemos agora, ponto por ponto, os ‘recados’ deixados pelo Presidente da República.

1. Cavaco afirmou que temos de ser duros com os credores; mas terá ele a certeza de que os credores estão abertos a ceder às nossas exigências? Uma coisa é querermos melhores condições, outra coisa é os credores aceitarem (veja-se como acabou o encontro entre a troika e o PS, que também garantia ser possível negociar melhor).

2. Cavaco falou de ‘consensos’ para evitar a crise. Sucede que os consensos, além de morosos e desgastantes, conduzem quase sempre a soluções híbridas. E é quase impossível dar resposta aos desafios gigantescos que o país enfrenta através de medidas ‘mornas’. Aliás, o próprio Cavaco Silva nunca foi um homem de consensos: rompeu o Bloco Central quando assumiu a liderança do PSD, apostou tudo na maioria absoluta para não ter de dialogar com ninguém.

3. Cavaco apontou o crescimento económico como forma de evitar a ‘espiral recessiva’. Aí, todos estão de acordo. Mas não basta estalar os dedos para a economia recuperar. Temos o exemplo de Sócrates, que promoveu obras públicas desnecessárias, incentivou projectos industriais (como os automóveis eléctricos, o Magalhães ou as eólicas), correu Ceca e Meca com o objectivo (genuíno) de puxar pela economia, e ela quase não cresceu. Com a actual dívida, não é possível haver crescimento que se veja.

4. Cavaco falou da necessidade de reconquistar a confiança dos portugueses, não bastando o crédito que Portugal já recuperou no estrangeiro. Só que o crédito externo foi conquistado precisamente pelas políticas de austeridade implementadas, isto é, a partir do momento em que os mercados acreditaram que estávamos mesmo decididos a avançar com medidas correctivas do défice. Se o Governo, para satisfazer os eleitores, começasse a distribuir facilidades, os mercados voltariam a desconfiar.

O que fica escrito mostra que, sendo a mensagem de Cavaco boa numa primeira apreciação, não resiste a uma análise mais aprofundada.

A mensagem do chefe do Estado foi um exercício para ficar de bem com Deus e com o Diabo.

Perante as dificuldades que hoje existem para governar – com greves, manifestações, lutas partidárias, críticas constantes na comunicação social, etc. – julgo que o Presidente da República teria o dever de dar um suplemento de confiança ao Governo.

Em tempo de crise, com fortes factores de incerteza, o Presidente não pode querer agradar a gregos e troianos para proteger a sua imagem.

Se Cavaco acha – como parece – que o pior que poderia acontecer a Portugal neste momento seria uma crise política, não deveria ter fragilizado a imagem do Governo perante aqueles que querem a sua queda.

Mesmo não abdicando de dizer o que pensa, Cavaco poderia tê-lo feito sem expor tanto o Governo às feras.

Há mais de 20 anos, vi Cavaco Silva, então primeiro-ministro, levantar-se no Parlamento e dizer alto e bom som: «Deixem-nos trabalhar!».

E na sequência disso explicou que havia ‘forças de bloqueio’ empenhadas em impedir o Governo de desenvolver a sua acção, levantando toda a espécie de dificuldades.

Desde esses longínquos tempos fiquei com simpatia por Cavaco Silva.

Subitamente, reflectindo sobre a sua mensagem de Ano Novo, vi-o no papel de uma dessas forças de bloqueio contra as quais lutava quando era primeiro-ministro.

E imaginei Pedro Passos Coelho a exclamar no Parlamento: «Deixem-nos trabalhar!». 

José António Saraiva, aqui