No dia em que encherem o Estádio das Antas com gente a pagar
bilhete para ver 22 escriturários a escreverem à máquina, estarei de acordo com
os que criticam o dinheiro que os jogadores de futebol ganham.
Este argumento,
do saudoso José Maria Pedroto, foi o melhor que ouvi em defesa dos elevados
salários dos futebolistas, que à época eram muito menos pornográficos e
estratosféricos do que agora.
No início dos anos 80, o jogador mais bem pago do Porto ganhava o equivalente a 30 salários mínimos.
No início dos anos 80, o jogador mais bem pago do Porto ganhava o equivalente a 30 salários mínimos.
Agora leva para casa cerca de 300 salários mínimos. Em 30
anos, ao nível do topo, a inflação no futebol português andou dez vezes mais
rápida do que no resto da sociedade.
O argumento de Pedroto é bom e racional. Mas apesar de saber que as exibições
e golos do Cristiano Ronaldo ajudam a encher o Santiago Bernabéu (e o Real
Madrid a cobrar um balúrdio pelas transmissões televisivas dos seus jogos),
confesso que a minha consciência judaico-cristã fica bastante incomodada por
saber que um português com o salário mínimo precisaria de trabalhar 300 anos
(até ao século XXV, portanto) para receber o que o CR7 ganha num mês.
O argumento de Pedroto é bom e racional. No entanto nunca consegui digerir
muito bem o hábito de pagarem aos futebolistas prémios de vitória ou até de
empate. Compreendo o mecanismo de estimular um trabalhador através da
instituição de um sistema de prémios por objetivos, mas no caso dos futebolistas
até parece que o que lhe pagam ao fim do mês (e não é assim tão pouco) é para
perderem os jogos.
Também não consigo entender algumas peculiaridades do regime de trabalho dos
1200 maquinistas da CP, que beneficiam de 18 subsídios (oito fixos e dez
variáveis), apesar das constantes transfusões de dinheiro dos contribuintes
serem a única coisa que impede a morte de uma empresa com um passivo XXL de 3,3
mil milhões de euros.
Sempre que termina um período de trabalho completo, o maquinista da CP recebe
um prémio. Cada vez que conduz, manobra ou faz o acompanhamento de um comboio,
ganha um abono. E se o seu trabalho estiver organizado por turnos ou escalas,
tem direito a um subsídio. E por aí adiante. Ao ler a lista arrependi-me de não
ter ido para maquinista da CP.
Percebo que os maquinistas queiram defender o belíssimo pacote de regalias
(algumas próprias de futebolistas, como a de receberem um prémio por terem
cumprido o seu horário de trabalho...) mas não me parece justo que os clientes
da empresa (os passageiros) sejam os únicos prejudicados pelas greves que
fazem.
Até porque, e usando a imagem de Pedroto, acho muito duvidoso que alguém
pague um bilhete para ver 22 maquinistas da CP a brincar aos comboios -
pouca-terra, pouca-terra - no meio do relvado do Dragão.
Retirada daqui