quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O VIGARISTA E OS SEUS PARASITAS

A comunidade jornalística nacional ou, pelo menos, um parte dela, anda agitada.

Aproveitou a quadra para exercitar um espírito pouco natalício e travestir pequenas vinganças e ódios antigos sob a forma da defesa da ética e deontologia profissionais, exacerbando as virtudes de um certo jornalismo de outros tempos. 

Isto a propósito de um vigarista de nome Artur Baptista da Silva (parece que, nesta história, o nome do homem é a única coisa verdadeira) que enganou meio mundo ao dar conferências e entrevistas fazendo-se passar por responsável de um sub organismo das Nações Unidas que não existe e ao defender teorias sobre o resgate financeiro a Portugal.

Apresentando-se como coordenador do Observatório Económico e Social da ONU para o Sul da Europa, professor de uma universidade americana que, soube-se depois, tinha fechado há décadas e consultor do Banco Mundial, Baptista proferiu uma conferência no lisboeta Grémio Literário e foi entrevistado por quase todos os meios de comunicação nacionais. Repito: por quase todos, mesmo aqueles que, enganados numa primeira fase, conseguiram evitar a publicação da fraude. 

Outros não tiveram a mesma perspicácia ou sorte (porque estas coisas, como todos os que habitamos as redações há anos bem sabemos, também são feitas de sorte).

Ancorados na credibilidade de meios como o Expresso, a SIC ou a TSF, a generalidade dos media, incluindo a circunspecta e rigorosa agência Reuters, foi atrás das declarações do burlão e delas fez eco internacional.

As ideias do falso economista da ONU resumem-se em meia dúzia de palavras e ajudam a explicar o porquê de, na sua simplicidade, se terem tornado virais. O dito economista e, por seu intermédio, as Nações Unidas, propunha a renegociação da dívida portuguesa de forma a evitar a asfixia económica nacional. 

Ou seja, a tese vigarista vingou porque uma parte da sociedade portuguesa pensa como ele e acredita nela. Havia, portanto, terreno fértil para a propagação da teoria. E ela espalhou-se não por ter sido turbinada através da prosa de inexperientes estagiários ou jornalistas (mal) pagos à peça, mas por experientes membros de direções, editores ou jornalistas seniores. 

Esfumava-se, assim, a teoria esgrimida na praça pública (e, sobretudo, nesse espaço de extermínio individual que é o facebook) por putativos jornalistas-justiceiros, sempre de pena afiada para criticar quem, no turbilhão do dia-a-dia, se engana em redações - pensam eles - esvaziadas de memória. 

O jornalismo em democracia, tal como a nossa vivência social, também é feito de erros. E, não raramente, esperamos a boa fé do outro, porque o espaço de intervenção publica é uma partilha de responsabilidades. Tal como quando arrancamos no sinal verde de um cruzamento no pressuposto de que, do outro lado, alguém tenha parado no vermelho, os jornalistas confiam nas fontes, cruzam dados, credibilizam protagonistas e, de quando em vez, enganam-se. 

Claro que devemos criar mecanismos individuais e nos meios em que trabalhamos para evitar a publicação de gato por lebre, como o que o Expresso anunciou que passará a fazer no texto de mea culpa rubricado pelo seu diretor adjunto Nicolau Santos. 

Todavia, atirar pedras sem perceber isto é coisa de vigarista maior do que um qualquer Artur Baptista da Silva.

Retirada daqui