A comunidade jornalística nacional ou, pelo menos, um parte
dela, anda agitada.
Aproveitou a quadra para exercitar um espírito pouco
natalício e travestir pequenas vinganças e ódios antigos sob a forma da defesa
da ética e deontologia profissionais, exacerbando as virtudes de um certo
jornalismo de outros tempos.
Isto a propósito de um vigarista de nome Artur
Baptista da Silva (parece que, nesta história, o nome do homem é a única coisa
verdadeira) que enganou meio mundo ao dar conferências e entrevistas fazendo-se
passar por responsável de um sub organismo das Nações Unidas que não existe e ao
defender teorias sobre o resgate financeiro a Portugal.
Apresentando-se como
coordenador do Observatório Económico e Social da ONU para o Sul da Europa,
professor de uma universidade americana que, soube-se depois, tinha fechado há
décadas e consultor do Banco Mundial, Baptista proferiu uma conferência no
lisboeta Grémio Literário e foi entrevistado por quase todos os meios de
comunicação nacionais. Repito: por quase todos, mesmo aqueles que, enganados
numa primeira fase, conseguiram evitar a publicação da fraude.
Outros não
tiveram a mesma perspicácia ou sorte (porque estas coisas, como todos os que
habitamos as redações há anos bem sabemos, também são feitas de sorte).
Ancorados na credibilidade de meios como o Expresso, a SIC ou a TSF, a
generalidade dos media, incluindo a circunspecta e rigorosa agência Reuters, foi
atrás das declarações do burlão e delas fez eco internacional.
As ideias do falso economista da ONU resumem-se em meia dúzia de palavras e
ajudam a explicar o porquê de, na sua simplicidade, se terem tornado virais. O
dito economista e, por seu intermédio, as Nações Unidas, propunha a renegociação
da dívida portuguesa de forma a evitar a asfixia económica nacional.
Ou seja, a
tese vigarista vingou porque uma parte da sociedade portuguesa pensa como ele e
acredita nela. Havia, portanto, terreno fértil para a propagação da teoria. E
ela espalhou-se não por ter sido turbinada através da prosa de inexperientes
estagiários ou jornalistas (mal) pagos à peça, mas por experientes membros de
direções, editores ou jornalistas seniores.
Esfumava-se, assim, a teoria
esgrimida na praça pública (e, sobretudo, nesse espaço de extermínio individual
que é o facebook) por putativos jornalistas-justiceiros, sempre de pena afiada
para criticar quem, no turbilhão do dia-a-dia, se engana em redações - pensam
eles - esvaziadas de memória.
O jornalismo em democracia, tal como a nossa
vivência social, também é feito de erros. E, não raramente, esperamos a boa fé
do outro, porque o espaço de intervenção publica é uma partilha de
responsabilidades. Tal como quando arrancamos no sinal verde de um cruzamento no
pressuposto de que, do outro lado, alguém tenha parado no vermelho, os
jornalistas confiam nas fontes, cruzam dados, credibilizam protagonistas e, de
quando em vez, enganam-se.
Claro que devemos criar mecanismos individuais e nos
meios em que trabalhamos para evitar a publicação de gato por lebre, como o que
o Expresso anunciou que passará a fazer no texto de mea culpa rubricado pelo seu
diretor adjunto Nicolau Santos.
Todavia, atirar pedras sem perceber isto é coisa
de vigarista maior do que um qualquer Artur Baptista da Silva.
Retirada daqui