Um cavalheiro engravatado providenciava conselhos através do telemóvel, em voz tonitruante, de modo a que todos os passageiros daquele comboio pudessem beneficiar da sua sabedoria: «Com tantos candidatos, foste contratar uma gaja, pá? Daqui a nada a aparece-te grávida, e depois? Ah... Contrato a termo, de um ano. Então está bem».
Este momento do Portugal contemporâneo confere com o relatório agora apresentado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico), em que o país aparece num vistoso quarto lugar, a nível mundial, no que se refere à discriminação de mais de metade da sua população.
Este momento do Portugal contemporâneo confere com o relatório agora apresentado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico), em que o país aparece num vistoso quarto lugar, a nível mundial, no que se refere à discriminação de mais de metade da sua população.
Acima de Portugal, no que se refere à escravatura das mulheres (vulgo: trabalho não pago) só encontramos a Índia, o México e a Turquia.
A lista inclui apenas os países membros da OCDE.
Excluídos estão, por conseguinte, aqueles países fantasticamente evoluídos do Golfo Pérsico, onde o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros tem andado a arrebanhar investimentos, que ainda não se dispuseram a descobrir que as mulheres são seres humanos.
Mesmo assim, é obra: as portuguesas trabalham de graça 250 minutos por dia (mais de quatro horas). Nos restantes países, a média de trabalho feminino não remunerado não atinge os 150 minutos.
Outro dado interessante é que, nos países estudados, os homens ganham em média mais 16 % do que as mulheres, em trabalhos idênticos. A distância salarial entre homens e mulheres cresce para 22% quando se trata de famílias com filhos. Estes números são um incentivo à natalidade tão eficaz quanto o apoio de Miguel Relvas a um candidato à Câmara Municipal de Lisboa.
O relatório revela também que Portugal é um dos países que mais defendem a redução do trabalho das mães «em nome da família».
Quase 60 % dos portugueses de ambos os sexos com filhos menores de 15 anos – isto é, pais e mães ainda jovens – concordam com esta visão matriarcal da família.
Na Dinamarca e na Suécia, a percentagem dos que assim pensam não chega aos 20 %. Espanta-me que os homens lusitanos não tenham coragem de reivindicar a sua importância na família e na educação dos filhos.
As mulheres aderem à ideia da desistência de vida própria a favor da prole porque sabem que, em Portugal, a realização profissional feminina ainda é entendida como um luxo que as próprias terão que pagar.
É certo que, quanto mais uma mulher fizer, mais trabalho gratuito lhe será solicitado – dentro e fora de casa.
A uma mulher activa exige-se-lhe que ‘contribua para a sociedade’ nas horas ‘vagas’.
Várias vezes sugeri a almas piedosas que pretendiam ocupar os meus pretensos tempos livres em actividades beneméritas nomes de senhores de grande talento.
Responderam-me, invariavelmente, que esses senhores estariam certamente muito ocupados. Exactamente como eu. Extraordinário, não é? As mulheres têm de deixar de ser aparelhos estereofónicos. Parece que isso melhora a saúde do mundo; pelo menos é o que dizem os dinamarqueses.
Inês Pedrosa, aqui