quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A VOLÚPIA DAS FRASES-CHOQUE


Alastra nos media uma espécie de esquizofrenia que se manifesta nos títulos bombásticos, ou nas imagens e sons fortes, que as televisões e as rádios não se cansam de repetir.

É como que uma convocação para o abismo, embora ninguém queira precipitar-se nele. E porque os media não existem sem palavras, multiplicam-se os actores, da esquerda à direita, que os abastecem com deleite, como se os divertisse o efeito dessas pedras atiradas ao charco.

Da «revolução está latente», de Otelo, ao «napalm fiscal», de Bagão Félix, passando pela «austeridade rebenta com o país», de Jorge Sampaio, pelo «assalto à mão armada», de Marques Mendes, ou pelo «Governo é mais papista que o Papa», de Mário Soares, o acervo de frases feitas, destinadas a consumo rápido, não pára de crescer, para gáudio dos responsáveis editoriais, que não precisam de puxar pela imaginação para resolver uma primeira página ou a abertura de um telejornal.

De todos, o que mais choca pela sua amnésia é Mário Soares – que, em Agosto de 1983, assinou um memorando com o FMI, com consequências dramáticas sobre o tecido social do país.

E defendeu-o assim: «O importante é sabermos se invertemos ou não a corrida para o abismo em que nos instalámos irresponsavelmente». Para ele, à época, a «única coisa a fazer é apertar o cinto», porque Portugal «habituara-se a viver, demasiado tempo, acima dos seus meios e recursos».

E porque se sentia acossado, não deixou de considerar que «A Imprensa portuguesa ainda não se habituou suficientemente à democracia e é completamente irresponsável. Ela dá uma imagem completamente falsa». Por acaso, disse isto ao alemão Der Spiegel, em Abril de 1984. Lapidar.

Os media, com raras excepções, lutam pela sobrevivência, necessitando de ‘alimentos’ fortes. E há actores políticos que beneficiam dessa situação, acedendo a esses meios com facilidade e amplificando, através deles, as suas convicções ou desvarios. É um acriticismo que floresce no espectáculo em que se converteu a informação, como bem lhe chama Vargas Llosa.

Esta combinação explosiva está a deformar a realidade e a puxar pelos extremos.

A terapêutica aplicada ao país é severa, mas ninguém se propõe explicar como chegámos aqui, e por que chegámos, como em 1983, ao limiar da bancarrota. Muito menos se expõem alternativas ao ‘desastre’. E quando a manta é curta, fomentam-se os egoísmos e cada um a puxa para seu lado.

Oiçam-se magistrados, militares, maquinistas, estivadores, funcionários públicos e, até, jornalistas, e todos se queixam e invocam direitos adquiridos. Se o Estado é despesista, defende-se mais despesa.

Este estado de coisas é malsão e bloqueador. O pântano, de que falava Guterres, foi zelosamente aprofundado por quem lhe sucedeu. O país vive num baile de máscaras, e rejeita a factura.

«Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição», escreveu Eça em 1867. Quem dirá que ontem, como hoje, a sua razão não se mantém? O défice também corroeu a memória. Sobejam as frases-choque.

Dinis de Abreu, aqui