Abri o rádio do carro. Estava sintonizado na TSF, que fazia o resumo das notícias da meia-noite.
A jornalista de serviço dizia mais ou menos o seguinte: «António José Seguro afirma que Passos Coelho já não é respeitado cá dentro nem lá fora, e no último Conselho Europeu entrou mudo e saiu calado».
Desliguei o rádio.
Eu sei que, quando fala assim, António José Seguro se dirige sobretudo aos militantes do seu partido, mostrando-lhes que tem a voz grossa e é capaz de bater forte e feio no primeiro-ministro – assim retirando espaço ao seu adversário interno, António Costa.
Mas é muito perigoso enveredar por este caminho.
Por três razões, todas facilmente compreensíveis.
Em primeiro lugar, o líder do PS transmite às pessoas a ideia de que tem um remédio diferente para a crise, quando não tem.
Isso mesmo é claro nas visitas que faz a líderes estrangeiros: eles dão-lhe palmadinhas nas costas, mas não se comprometem com nada.
E, se a ‘solução’ de Seguro fosse muito diferente da do Governo, seria caso para desconfiar – pois haveria o risco de regressarmos ao rumo que nos conduziu ao descalabro financeiro.
O PS não tem alternativa a esta política – e ainda bem.
Por isso, não é honesto semear ilusões.
Em segundo lugar, ao passar da crítica ao ataque pessoal, António José Seguro está a contribuir para incendiar ainda mais a rua.
Ora, para um partido democrático, apelar à raiva cega das multidões é um jogo de altíssimo risco.
Se se compreende que a extrema-esquerda o faça, pois o PCP e o BE apostam hoje numa lógica de terra queimada, para um partido que aspira a ser Governo isso é um erro crasso.
Imagine-se o que se pensará lá fora ao ver o PS colaborar com a extrema-esquerda na deterioração do ambiente social.
Pensar-se-á mais ou menos o que nós pensamos dos gregos: ‘Então eles estão sob resgate financeiro, estão a ser ajudados, e ainda andam em guerra uns com os outros?’.
Ninguém percebe.
A este respeito, também não percebo as repetidas intervenções públicas de antigos ministros das Finanças, como Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix ou mesmo Cavaco Silva.
Eles – sobretudo os dois primeiros – conhecem os espinhos do cargo, sabem as incompreensões de que foram vítimas, viram como foram atraiçoados até por colegas de partido quando tentaram pôr em prática políticas de austeridade.
Ora, sabendo isso, deviam pelo menos abster-se de criticar tão duramente um seu sucessor que, melhor ou pior, está a tentar corrigir um endividamento que os governos de que fizeram parte também não conseguiram travar.
Eu sei que ambos são pessoas de bem.
Mas não lhes fica bem tanta deslocação às estações de TV para atacarem ministros do Governo dos seus partidos ou de partidos de que são compagnons de route.
Mas há ainda uma terceira razão que aconselharia António José Seguro a ser mais comedido.
Refiro-me ao respeito pela classe política.
Hoje, é comum dizer-se que «não há respeito pela classe política».
E é frequente ouvir os políticos queixarem disso.
Mas, como é possível o povo respeitar os políticos se são eles os primeiros a desrespeitarem-se?
Se os líderes políticos se atacam em público em termos chocantes, se se agridem no Parlamento chamando uns aos outros «mentirosos», «incompetentes», «desonestos», falando mesmo em «roubos», como podem os cidadãos respeitá-los?
Não é o povo que não os respeita -- são eles que se desacreditam.
E, nesse particular, também é incompreensível que o PS se junte aos partidos que atiram lama para a ventoinha salpicando todos, inclusive salpicando-se a si próprio.
Verdade seja que Passos Coelho e Vítor Gaspar, os mais atacados, se têm portado civilizadamente.
No meio da loucura que parece ter tomado conta do país (e para a qual os media têm contribuído poderosamente, com manchetes inflamadas), Passos Coelho e Gaspar têm mantido uma surpreendente calma, não respondendo a provocações, não retribuindo os insultos, tratando os adversários com respeito.
Valha-nos isso.
Pelo menos esse mérito ninguém lhes pode tirar.
José António Saraiva, aqui