terça-feira, 30 de outubro de 2012

NEM ESTUDAM NEM TRABALHAM. O QUE FAZEM (E NO QUE PENSAM) ESTES JOVENS?

Um estudo publicado esta semana por uma agência da União Europeia estima em 14 milhões o número de jovens europeus com idades entre os 15 e os 29 anos que estão fora do sistema de ensino e sem lugar no mercado laboral.


Em Portugal serão 260 mil, um máximo histórico que a crise económica e a erosão do emprego só tendem a agravar. Geração perdida? Há quem se recuse a deixar de acreditar.


Mário não consegue aceder à formação por ser licenciado
Durante seis anos, a minha rotina era levantar-me às sete da manhã, trabalhar até às oito da noite, ir a casa jantar e tomar banho e depois ir para as aulas. Licenciei-me em Design Gráfico, numa universidade privada, no último ano cheguei a pedir um empréstimo bancário para conseguir pagar as propinas que eram de 3500 euros por ano. Mas trabalhava, ganhava 650 euros, e consegui pagar o empréstimo todo.´O meu posto de trabalho foi extinto no início de Janeiro. Era responsável de departamento numa fábrica de brindes publicitários, mas fui despedido com vários colegas. Nos primeiros dois meses, foi a depressão total: deitava-me às três ou quatro da manhã, ficava a ver televisão, e depois levantava-me às duas da tarde e não fazia nada. Depois, inscrevi-me na natação às dez da manhã para me obrigar a sair de casa. Entretanto, pus-me a pensar na vida, na idade, no futuro e percebi que tinha que começar a procurar uma solução no fundo do buraco. Pagam-me 440 euros de subsídio de desemprego, porque o meu patrão só declarava o ordenado mínimo. É deprimente ir ao centro de emprego. São filas enormes de pessoas a lamentarem-se. Dantes, quando já tinha acabado o curso e estava à procura de trabalho na minha área, viam-se as paredes cheias de propostas de emprego. Agora, se se vir um papel é para o estrangeiro e a ganhar 1500 euros. O que é que se faz com 1500 euros nos Estados Unidos? Sei que tenho valor e capacidade, mas se for para limpar casas de banho prefiro fazê-lo em Portugal. Ainda não perdi a esperança de criar um negócio próprio, na área da restauração. Como tenho o dinheiro que ganhei quando vendi o meu carro, às vezes vou espreitando as imobiliárias para ter a noção de como anda o aluguer de espaços.Não faço nada porque não consigo aceder à formação dos centros de emprego. Se me aparecesse um trabalho como serralheiro, não me importava nada de receber formação e de trabalhar nessa área, mas dizem-me sempre que, como sou licenciado, não tenho direito à formação. Será que eu, por ter andado tantos anos a esforçar-me para tirar o curso, não tenho os mesmos direitos de alguém com o 9.º ano? A minha mãe também ficou desempregada e fica em casa enterrada na depressão. Procuro fugir, tomar café com amigos, trocar umas ideias. Desisti de ver notícias, para não me deprimir. Já sei que tenho que pagar, seja como for...

Patrícia ainda vota, mas já não acredita “que o país possa melhorar”
Dormir ajuda. Nos dias piores, vou levar as minhas fi lhas à escola e volto para a cama e durmo o mais que posso. Ajuda-me a não pensar. Às vezes, ponho música alta pela casa toda para ver se consigo ficar mais alegre, quando elas chegam a casa. Fujo de chorar à frente delas. Acho que a frase que lhes tenho dito mais vezes nos últimos tempos é: “Não pode ser, a mãe não tem dinheiro...”.Quando trabalhava, ainda conseguia dar-lhes um consolo. Ia ao supermercado e trazia sempre daqueles ovinhos de chocolate. Sempre igual para as duas. É uma paranóia que tenho. Tem que ser sempre tudo igual para as duas. Uma tem cinco e a outra oito anos de idade. Já dei por mim a perguntar-me a quem é que eu podia pedir um pão ou uma maçã para elas levarem para a escola.  Quero continuar cá, porque quero vê-las crescer. São a minha única sorte. No resto... o que me aparecer de trabalho eu aceito, mas parece que nasci com as portas todas fechadas. O último trabalho que tive, já passou quase um ano, foi nas limpezas do mercado de Matosinhos. Ganhava 20 euros por dia, das sete da manhã às sete da tarde. Quando não tinha senhas para o autocarro, ia a pé ou apanhava boleia de uma vizinha. Mas nem tempo tinha para estar com as minhas filhas. E era pouco dinheiro, não dava. Recebo 150 euros do Rendimento Social de Inserção, mais cem euros de pensão por uma das minhas filhas. Da outra não pedi pensão porque o pai nem sempre é certo e aí iam-me tirar o RSI. Ainda recebo 84 euros de abono de família, mas não chega para tudo. Olho à volta e vejo mais desempregados do que empregados. Já desisti de ir às entrevistas. Pedem habilitações e eu só tenho o 6.º ano. Pedem experiência, não tenho. Pedem bom aspecto, eu até de sorrir tenho vergonha por causa dos meus dentes. Sei que pensam que tenho os dentes estragados por causa da droga, mas garanto que nunca me meti nisso. Foi derivado à minha segunda gravidez, a minha filha “comeu-me” o cálcio. Já pedi ajuda à Segurança Social para os arranjar mas dizem que fica muito caro. Pareço muito mais velha. Sinto-me muito mais velha.Fujo de pensar porque, se me puser a pensar, só me apetece fazer asneiras. Por isso, vou-me agarrando às promessas de trabalho. Já falei com uma amiga que trabalha numa firma de limpezas para ver se terão lá lugar, também me falaram de um senhor que queria alguém para a agricultura numas quintas. Voto, ainda voto, mas já não acredito que o país possa melhorar.

João sugere que o Governo financie excursões para o estrangeiro
No espaço de um ano, perdi o carro e o computador. Mas isso não é o pior. O pior é querer fazer alguma coisa e perceber que o melhor emprego que me vai aparecer, e isto se tiver sorte, é a trabalhar dez horas por dia, a ganhar 550 euros por mês e com uma folga por semana. Não percebo. Não há empregos mas, nos empregos que há, querem obrigar as pessoas a trabalhar mais e a receber menos, em vez de aligeiraram a carga e deixarem que mais gente trabalhe e tenha tempo para viver a sua vida ao mesmo tempo. Parece que o mundo ficou dividido entre os escravos do trabalho e os que, como eu, não conseguem trabalhar e depois também não conseguem fazer mais nada, porque não têm dinheiro e andam com a cabeça negra e cinzenta.Ainda não me mataram a esperança. Tirei o curso de Gestão Hoteleira, depois fui tirar Marketing, mas acabei por desistir ao fim de dois anos e o último emprego que tive foi como gerente de um posto de abastecimento. Ganhava 842 euros, mas, ao fim de quase dois anos, mandaram-me embora para não terem de me meter nos quadros. Estou sem fazer nada há mais de um ano, mas vou procurando emprego. Gostava de trabalhar na área da cozinha e tenho mandado currículos, vou aos restaurantes da minha zona, às esplanadas. Às vezes, sinto um bocado de vergonha. Sei o que valho, mas sinto-me a mendigar. Vivo com a minha mãe, o meu padrasto, a minha sobrinha e dois cães. Tento ajudar em casa, faço jantar, trato da loiça, mas se pudesse ajudar nas despesas sentir-me-ia muito mais feliz com eles. Não gosto de, às vezes, chegar ao dia 20 e pedir à minha mãe 20 euros e ter que a ouvir dizer: “Já gastaste tudo!?”. Mas a alternativa seria ficar todo o dia fechado em casa e não sair sequer para beber um copo. Não creio que me ajudasse muito. Agora que já nem o subsídio de desemprego recebo, aproveito que o meu irmão, emigrante em Inglaterra, está cá e gasto um bocadinho à pala dele: tomar café, comprar cigarros, é tudo por conta dele.  Estou desempregado, podia ser emigrante se a experiência de duas semanas em Inglaterra não tivesse corrido tão mal. Fui e voltei pior do que fui, porque gastei dinheiro em viagens e no alojamento e não consegui nada. Muitas vezes penso que, se não há aqui lugar para toda a gente, mais valia que o Governo arranjasse umas camionetas, promovesse umas excursões e ajudasse o pessoal a ir-se embora. Ao menos, poupávamos na viagem.

Ana sabe que voltará à rua ao fim de cada ano e meio de trabalho
um bocado triste dizer isto, mas o McDonald’s foi o sítio onde mais gostei de trabalhar. Às vezes, dizem-me “Ah, que horror, no McDonald’s” e eu até ganhava uma miséria, mas tinha trabalho. Na altura, ainda estava a fazer o 12.º ano, fui eu que me despedi porque tinha o projecto de abrir uma loja de acessórios de moda. O negócio não correu muito bem. Esteve aberto meio ano. Depois, fui trabalhar para um posto de combustíveis, em Matosinhos. O ordenado-base era 520 euros, outra miséria, mas tinha trabalho. Quando comecei a trabalhar, o mercado já pouco oferecia aos trabalhadores. Mas, para mim, habituada a ganhar pouco, era bom. Agora, pessoas como a minha mãe têm encargos que não lhes permitem aceitar salários destes. A minha mãe era gestora na Mattel Portugal, a empresa das Barbies, mas foi despedida na véspera de Natal. Ligaram-lhe de Espanha a dizer que queriam falar com ela no aeroporto, despediram-na e voltaram a levantar voo. Se não vivesse com ela, não teria dinheiro para comer. Despediram-me do posto de combustíveis em Outubro de 2011 e nunca mais arranjei emprego. Uma vez, estive quatro dias numa loja. Fui à entrevista, seleccionaram-me e, ao fim de quatro dias de trabalho, chamaram-me para assinar contrato. Meia hora depois, chamaram-me para assinar a carta de rescisão, porque tinham recebido um e-mail dos recursos humanos a dizer que, afinal, as lojas não estavam a facturar. Pouco tempo depois, aconteceu-me uma coisa parecida: chamaram-me, pediram as medidas para a farda e, 43 minutos depois, disseram-me que a administração não deixava contratar. Não tenho qualquer problema em fazer o horário da manhã, tarde ou noite, o problema é que não há trabalho. Acredito nisso, porque a alternativa seria achar que o problema é meu e acho que não é. A única certeza que tenho é que, mesmo que consiga ser contratada, passado um ano e meio sou mandada embora. É estúpido, mas estaria muito mais frustrada se tivesse feito a universidade. Teria andado a queimar as pestaninhas e agora o mais certo era estar na mesma situação. Cansei-me dos noticiários. Só falam da crise ou dos assaltos ou de pessoas que perdem a casa — tudo coisas que nos põem para baixo e, para isso, já basta eu sentir que... não tenho lugar. Lembro-me da notícia daquele rapaz desempregado que se pôs em greve de fome, em Santa Catarina, no Porto, e que a seguir recebeu uma chuva de ofertas de emprego. Às vezes... não sei. É triste.

Textos escritos na primeira pessoa a partir de entrevistas de Natália Faria, aqui