segunda-feira, 3 de setembro de 2012

BOM. À TUA BEIRA


Bom. À tua beira.

Desde que me lembro. E sou unha e carne com a memória.

As sirenes tocaram vezes sem conta. E corrias sempre. Tu e o teu coração também. Aquele que levavas sempre contigo para todo o lado. Enorme. Aquele onde cabia tanta coisa bonita e tanta gente de todos os tamanhos.

Um sorriso quase a escapar. Um estalar de boca.Um silêncio que nunca fazia doer.

Bom. À tua beira.

Lembro-me das bolinhas de metal pequenas que brincavam dentro das garrafas vazias e que as faziam brilhar e das histórias todas que contavas com vagar.

Gostava de lavar os pimentos contigo e de os guardar no frasco com vinagre. Gostava de montar estantes de metal e arrumar vezes sem conta a garagem.

Lembro-me de todas as pevides que comemos no jardim e de todas as vezes que tive medo de não estar à tua altura.

Tenho saudades tuas. De adormecer na tua barriga e de sentir que ali estava em casa.

Bom. À tua beira.

Lembro-me de todas as vezes que ficavamos calados. De todos os top’s de música que soubemos de cor e de todas as vezes que fomos aqui e ali buscar isto ou aquilo.

Sempre achei que eras tu. Que tu eras ele. Aquele que devia estar ali. E tu sempre estiveste.
Lembro-me. Outras vezes não quero. Tento afastar-te daqui. Dos dias sem ti. Tento não pensar em tudo aquilo que não te deixei ensinar-me. Tu que tinhas a porcaria do sétimo ano e que sabias sempre mais de tudo do que eu.

Lembro-me de passear contigo no paradão porque nada te fazia pôr os pés na areia da praia.
Sinto a tua falta. Todos os dias e ainda mais quando como ovos cozidos e não estás ali para comer o amarelo.

Nunca mais tive um furo desde que te foste embora. Tenho medo do buraco que se vai abrir em mim quando perceber que não me vais atender o telefone nessa altura.

Tenho saudades do teu sorriso no dia em que me viste com aquela farda pela primeira vez.

Tenho saudades nossas e tudo o que me contavas a caminho da fontes onde íamos buscar água.

Tenho saudades dos sábados de manhã que dividimos com ela e todas as vezes que chegavas a casa.

Lembro-me do ramo de flores no dia em que foste à minha festa e de todos os sorrisos que soltámos nesse dia. E nem me importo de não me teres levado ao baile. Também já me esqueci do dia que me custou uma queda e quatro pontos no queixo por teres ido embora sem me dizeres adeus.

Não sei se te disse as vezes suficientes que era bom à tua beira. Não sei sequer se te disse.

Gostei que tivesses tido a primavera depois de tanto inverno. Gostei de a ter dividido contigo naquele barco.

Gostei de ti desde o primeiro dia em que me viste.

Nunca vou ser capaz de contar tão bem como tu nenhum episódio com cães-polícia, mas prometo-te que hei-de aprender a abrir garrafas como deve ser.

Queria que soubesses que voltei, que a tua casa está outra vez de pé e que as nossas filhas estão bem. Queria que soubesses que as sirenes tocam sempre mas que não há fogo que queime as memórias que guardo de nós.

Bom. À tua beira.

Vou tentar todos os dias. Prometo-te. Sempre.

Até às estrelas.

Cristina Gameiro, aqui