"Não odeies o teu inimigo, porque, se o fazes, és de algum
modo o seu escravo". Lembrei-me desta frase do escritor argentino Jorge Luís
Borges quando, há dias, li a entrevista do diretor de Comunicação do Benfica,
João Gabriel, ao diário "A Bola".
João não é um anjo, nem um anjinho. É apenas umas daquelas figuras cujo ódio
se deve combater com o riso, por ser esse o melhor antídoto contra a mais
maliciosa verrina.
Na dita entrevista, João Gabriel repete os argumentos antes usados por Jorge
Jesus e António Carraça para justificar a derrota do Benfica no campeonato: os
árbitros estão "comprados", a classificação está "aldrabada", o Benfica é
perseguido pelas forças obscuras que tomaram de assalto o futebol português, a
contestação à estratégia benfiquista é manipulada - e por aí fora, num conjunto
de afirmações que têm como alvo o F. C. Porto e o seu presidente, pois
claro!
Nada disto seria relevante, porque repetitivo, não se desse o caso de João
Gabriel ter decidido tocar na honorabilidade de pessoas com passado e presente
incólumes, ao mesmo tempo que lança lama sobre a Justiça, tratando juízes e
magistrados como meros instrumentos de uma monstruosa estratégia que, na sua
cabecinha pensadora, pretende, tão-só, prejudicar o Benfica. Uma instituição
prestigiada, centenária, responsável e de bem como é o Benfica não pode dar-se
ao luxo de passar por esta vergonha. Acho eu.
Como pode alguém com uma tão baixa posição na escala de responsabilidades do
Benfica dizer que homens como Miguel Sousa Tavares e Rui Moreira são intimidados
e coartados na sua liberdade por discordarem, nos artigos que escrevem, das
opções do presidente ou do treinado do F. C. Porto? Como pode o pensador Gabriel
dizer que a verdadeira culpada pelo F. C. Porto ter ganho oito campeonatos nos
últimos dez anos é a Justiça, por não colocar na cadeia Pinto da Costa, o
malfeitor dos malfeitores que acabou com a hegemonia encarnada?
Atenção: João Gabriel podia muito bem estar a expender apenas as suas doutas
opiniões. Não está. A entrevista foi concedida na qualidade de diretor de
Comunicação do Benfica. O que significa que, até prova em contrário, o
presidente do clube assina de cruz tudo o que João Gabriel ali disse. A
instituição Benfica não merece que manchas destas se abatam sobre si.
O ódio tapa as vistas à razão. E, como lembrou Borges, transforma quem odeia
em escravo do odiado. Mais do que o maior ou menor profissionalismo desta ou
daquela gestão, mais do que a sorte ou o azar neste ou naquele jogo, nesta ou
naquela época, talvez isso explique por que razão anda o Benfica, há tantos
anos, literalmente atrás do F. C. Porto.
Retirada daqui