sábado, 10 de março de 2012

TRINTA QUILOS DE PAUTAS

Aí há uns nove anos, numa tarde soalheira como a de ontem, a minha mulher interrompeu a edição da secção de Economia do JN, na altura a meu cargo, para me dizer que estava grávida do Tomás, o nosso primeiro filho.

Lembro-me de quatro coisas: lembro-me de o meu coração ter pulado com sofreguidão durante largos minutos; lembro-me do tom de voz dela; lembro-me de ter contado a novidade ao meu colega Pedro Araújo; e lembro-me da música que tocava em fundo, quando ouvi aquelas mágicas palavras: "Often a bird", do compositor Wim Mertens.

Anteontem à noite reencontrei Wim Mertens no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. Mertens, pianista de excelência, 63 fresquinhos anos na pele, ofereceu ao auditório um memorável espetáculo. Ele e a Fundação Orquestra Estúdio, conduzida com maestria pela habitual elegância exuberante de Rui Massena.

Durante duas horas de puro deleite, recordei, uma e outra vez, o Tomás e o Rodrigo (o meu segundo filho), é verdade. Mas, sobretudo, olhei para a Orquestra, para Mertens e para Rui Massena como uma espécie de metáfora daquilo que a União Europeia (UE) hoje não é e deveria ser.

No palco estavam 61 pessoas - o maestro, o pianista e 59 músicos recrutados um pouco por toda a Europa, a grande maioria jovens entre os 18 e os 25 anos que, a troco de uma remuneração mediana, decidiram experimentar viver num outro país, longe da sua zona de conforto, como agora se diz. Mais e mais importante: o que saía daquela panóplia de instrumentos era fruto da harmonia nos objetivos e do profissionalismo de altíssimo nível aplicado por cada um para que a perfeição (ou a tangente a ela) fosse alcançada. E foi.

Wim Mertens dissera ao JN que nunca tinha tocado com uma tão jovem orquestra, pelo que o desafio era grande. Ou melhor: era gigante, na medida em que o belga mandara qualquer coisa como 30 quilos de pautas (!) para a orquestra ir trabalhando.

Quer dizer: a arte de um experiente pianista, aliada ao saber de um experiente maestro, tocada por uma jovem orquestra redundou num grande espetáculo. O nosso drama, no espaço da União Europeia, é que os maestros e os pianistas são, cada vez mais, de baixo calibre. Logo, as orquestras que comandam (governos e instituições europeias) não podem estar afinadas nos objetivos, ora por não os saberem definir, ora por serem incapazes de, definindo-os, se juntarem em busca do bem comum.

Talvez pudéssemos pegar nos 30 quilos que pesam as pautas feitas por Mertens para este concerto e com elas açoitarmos os líderes europeus que, desafinados, nos vão encaminhando para um lugar sem retorno - uma Europa politicamente fraca e economicamente frágil. Há muito açoite para dar...

Paulo Ferreira, aqui