quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O AMARELO SORRISO DE MIGUEL

Há, ou não, alternativa ao corte de salários e pensões? Se há, por que razão optou o Governo por sacrificar pensionistas e funcionários públicos, em vez de usar a almofada que parece ter?

O sorriso amarelíssimo com que o ministro dos Assuntos Parlamentares comentou a hipótese de negociar com o Partido Socialista (PS) uma das partes mais dolorosas do Orçamento do Estado (OE) para 2012 (o corte dos subsídios de férias e Natal a pensionistas e funcionários públicos) é uma das mais estranhas incógnitas da política portuguesa dos últimos tempos.

Miguel Relvas ficou incomodado com a armadilha em que o Governo se deixou cair - e não encontrou melhor resposta do que esta anódina declaração: "Tudo o que está no OE é susceptível de ser negociado". É mesmo? Desde quando? O primeiro-ministro e o omnipotente ministro das Finanças tinham dito que não, juntando à nega um poderoso argumento: se não for pelo corte nas pensões e salários, o défice das contas públicas só se controla despedindo largos milhares de funcionários públicos.

Ora, como não se vê que o Executivo de Passos Coelho queira entrar por esse caminho, resta a pergunta: há, ou não há, alternativa ao corte nos salários e pensões? Se há, por que razão optou o Governo por sacrificar pensionistas e funcionários públicos, em vez de usar a almofada que parece (sublinho, parece) ter para agora acomodar a proposta do PS?

Sim, é verdade que Cavaco Silva foi o primeiro a morder os calcanhares de Passos, ao usar o argumento da equidade fiscal para se opor à pancada dada nos pensionistas e funcionários públicos (Rui Rio juntou-se ontem a este coro). O presidente da República abriu a Seguro o espaço que ele não conseguira até então conquistar, pelo papel irrelevante que o PS vinha tendo nesta discussão. E Seguro agarrou a oportunidade com a mesma força com que um náufrago esbraceja até achar salvação. A coisa veio a dar nisto: o PS manteve-se calado enquanto Seguro negociava (creio eu) com o primeiro-ministro as condições de viabilização política (a aritmética estava garantida) do OE. E da negociação resultou, como se verá em breve, um recuo nas dolorosas condições impostas, antes de todos os outros, aos pensionistas e funcionários públicos.

Há no meio disto tudo um erro político e uma consequência para um político. O erro: numa situação como a que vivemos, hesitações deste género são inaceitáveis. Porque têm uma consequência para um político: o ministro das Finanças. Ele é o esteio do Governo, por todas e mais algumas razões. Quando fala, o país treme. Treme, mas percebe que o que diz faz sentido (ou algum sentido, para os mais cépticos). Ora, a consumar-se esta reviravolta, será difícil ouvi-lo com a mesma atenção, quando Vítor Gaspar nos vier pedir mais esforços.

Passos Coelho pode entender que o recuo lhe traz o afago de Cavaco, o sossego de Seguro e a aprovação do povo. Está enganado. Daqui a nada, Vítor Gaspar apresentar-nos-á a factura dos 25 mil milhões a mais que vamos pedir à troika, porque o que nos foi emprestado já não chega. E, nessa altura, verá como o feitiço se virará contra o feiticeiro. Vale o mesmo dizer: verá como foi errado tirar peso político a Vítor Gaspar.

Paulo Ferreira, aqui