segunda-feira, 6 de junho de 2011

CONHEÇA O PERFIL DO NOVO PRIMEIRO-MINISTRO DE PORTUGAL

O líder do PSD faz a sua primeira grande entrada na corrida política e venceu as eleições.

Conheça o perfil de Pedro Passos Coelho, o novo primeiro-ministro do país, recordando o texto publicado na revista Única.

Passos Coelho gosta de preparar o ataque

Nos últimos dias, a sede do PSD é um reboliço. As entradas e saídas são tão frequentes que deixaram de poder passar despercebidas à pacata vizinhança.

No palacete de São Caetano à Lapa entram banqueiros, embaixadores, deputados e jornalistas. Caras conhecidas, muita pompa de motoristas, que fazem rasantes às paredes do pátio, para encontrar uma nesga de estacionamento entre as altas cilindradas que se apinham. Dia após dia, em tom de nervoso miudinho. É óbvio que se cozinham ali muitas hipóteses de futuro para o país. Há um cheirinho a poder no ar de primavera. O chefe - ou presidente, como todos lhe chamam - mantém uma serenidade olímpica.

É, aliás, o único na equipa de colaboradores - a maioria jovens, em estágio para subir - que não deixa transparecer o tempo de aceleração cardíaca. Não perde a compostura. O país pode estar para escolher como sucessor do "animal feroz" um animal de sangue frio.

Pedro Passos Coelho gosta de preparar o ataque, de estudar o adversário na sombra, esperando a melhor oportunidade. A antítese de Sócrates. Mas com igual vontade de ganhar.

"Tem uma calma que é irritante para qualquer adversário", diz Couto dos Santos, que garante falar com conhecimento de causa.

Em 1986, ainda o cavaquismo ensaiava os primeiros passos, chegou a secretário de Estado da Juventude e chamou o jovem líder da JSD, então com 22 anos, para seu assessor.

"Era muito novo, mas pensava bem estrategicamente", lembra o atual deputado social-democrata. Passos Coelho era "convicto", argumentava "com grande força" e mantinha a compostura apesar das adversidades.

"É frio e não se consegue arrancar dele uma emoção". A reserva estratégica é um trunfo que retira vazas aos adversários. "Irritava-me quando o tinha pela frente", a dificuldade de o tirar do sério, do fazer perder o pé.

Isso e a boa educação que lhe está colada como um adesivo, que lhe tolhe os gestos em falso ou as saídas do tom apropriado, garantem os amigos e colaboradores. Os críticos não veem nada disso. Notam aqui sinais de imagem cuidadosamente preparada. Talhada ao pormenor para criar uma figura esfíngica, uma cobertura de plástico, uma pátina de make-up para funcionar na TV ou na propaganda eleitoral, arena moderna onde se decidem as vitórias ou as derrotas.

Os mais próximos negam. Garantem que "não há segunda capa", que está tudo no ADN que veio com o líder no dia do parto.

"Não tolera o insulto ou a má educação", diz Rudolfo Rebelo, seu amigo desde os 14 anos e atual adjunto para os assuntos económicos, que foi buscar à redação do "Diário de Notícias" para o gabinete da Lapa. Conheceram-se em Vila Real, quando Pedro Passos Coelho se inscrevia como militante na sede do PSD e passaram a conviver de perto. À falta de melhor oferta, gastavam as horas vagas na pequena cidade transmontana a jogar às cartas, trocando "cervejas e malgas de tripas" por vitórias em rodadas de copas ou de sueca. Nem os anos de contacto nem as horas de juventude passadas em comum lhe trazem à memória ataques de fúria. "Nunca o vi irado. Não irá atirar telemóveis ou dar murros na mesa quando as coisas lhe correrem mal, disso podem ter a certeza", acrescenta.

O oposto de Sócrates?

Ângelo Correia acende o cachimbo e aconchega-se no maple da Torre das Amoreiras, onde tem o escritório, para responder, perentório: "É o contrário, mesmo o contrário do engenheiro José Sócrates.

Conheço-o há 30 anos e rarissimamente o vi encolerizado". Trabalhou com ele no partido, assistiu à sua saída da política, ajudou-o quando precisou de emprego. Muitos veem nele o mentor espiritual do regresso do líder ao PSD, o seu grilo falante que lhe guia a consciência. A Fomentinvest, empresa de consultadoria na área do ambiente, viu Passos Coelho passar de seu administrador a candidato a líder do PSD, agora com vontade - e chance - de chegar a primeiro-ministro.

Lá preparou o seu regresso aos palcos da política, escrevendo a biografia "Mudar" em dois meses, entre o trabalho de gestor e as aulas que passou a dar na universidade.

Este perfil de calma e de serenidade pode trazer vantagem em contraste com a imagem do seu atual adversário. José Sócrates é um resistente na luta partidária, um mestre a ganhar pontos no confronto televisivo, um intuitivo. É um líder irascível, que não gosta de perder nem a feijões e que mostra como não está disposto a que lhe retirem um milímetro do lugar de topo que conquistou a pulso.

A entourage de Passos Coelho, mal ou bem, vê aqui um mundo de possibilidades no confronto entre os dois.

Política, política. Família à parte.

Pedro Manuel Mamede Passos Coelho, 46 anos e 30 de vida política permanece, apesar de tudo, uma grande interrogação. Faltam demasiadas peças para compor o puzzle de como será como governante, ou de como se vai aguentar em ritmo eleitoral. Desde logo, por nunca ter sido ministro ou secretário de Estado, ou ter aguentado como figura principal uma campanha nacional do partido. É inexperiente, dizem os adversários que usam o palmarés de resistente de José Sócrates como argumento para desmoralizar à partida. Só que não restam dúvidas de que a hora política de Passos chegou, tornando relevantes a sua biografia e o percurso que o trouxe até aqui. Quem o influencia, como decide e como se prepara aquele que poderá ser o próximo primeiro-ministro de Portugal? Como reage sob pressão, quem são os seus colaboradores e como se informa, são algumas das perguntas para as quais procurámos respostas na história da sua vida, ouvindo familiares, amigos, colaboradores e membros do partido.

Passos Coelho preferia não ser chamado a colaborar nesta tarefa, nem a falar sobre o passado, a pedir a familiares e amigos para exporem a sua biografia. Este lado público da política, claramente, não se lhe cola bem à pele. Mas não foge com o corpo às balas e devolve a chamada: "Vamos a isto, se tem que ser", diz no primeiro telefonema. Aceita distribuir contactos familiares, entreabre as portas, mas não deixa passar a barreira de segurança, sobretudo quando se trata das 3 filhas: Joana, de 24 anos, Catarina, de 18 e Júlia de 4, que protege dos focos da ribalta, onde não as quer ver expostas.

"Oiço muita gente, mas decido pela minha cabeça", resume perante a pergunta direta: "quem são as pessoas que o influenciam?".

Retira a família de cena, mais uma vez, porque faz questão de não levar a política para casa, nem quer que os dois planos se confundam. A segunda mulher, Laura Ferreira é, porém, determinante. Combinou com ela o seu regresso à política. Só com a sua aceitação conseguiu avançar. "E se ela se opusesse, não voltava?", pergunta-se. "Claro que não", responde sem pestanejar.

Os pais e os irmãos - dois rapazes e uma rapariga - são uma reserva afetiva estratégica, mas distante. O pai, António Passos Coelho, reformou-se de uma carreira de médico pneumologista, com passagem pela direção da distrital do PSD, e agora prefere dedicar-se à literatura com três obras publicadas e fôlego para mais. Do filho e das suas aventuras políticas, prefere não falar. "Não me apanham em elogios ou a dizer para votarem nele, porque vão dizer que é por ser o pai", diz ao telefone de Vila Real. "Também não digo mal, porque não tenho motivo para isso. Ora, se não tenho nem bem nem mal para dizer, o melhor é ficar calado", acrescenta. A cepa de transmontano e o pragmatismo de quem teve de fazer pela vida, servem para despachar em três tempos este tipo de assuntos mediáticos, de que quer tanta distância quanto a que vai de Trás-os-Montes a Lisboa.

Além disso, "não tive muito tempo para acompanhar os meus filhos", diz, sem lamentos.

A vida não foi fácil, foi preciso trabalhar e administrar hospitais para acertar as contas de uma família alargada, mudar de terra, começar do zero quando foi preciso. Pedro Passos Coelho assume que cresceu com "uma dose de liberdade imensa". A que se juntou outra tanta de responsabilidade. A família não tinha tempo para apaparicar crias, nem feitio para isso. A Medicina mantinha o pai ocupado em full time. A mãe, a braços com quatro filhos - um dos quais com uma paralisia cerebral que o mantém totalmente dependente - não fugiu à sina de uma dedicação exclusiva à família, sem tempo, nem braços, para excesso de mimos.

Passatempo: gravar debates políticos.

Nasceu em Coimbra, é o benjamim, cresceu na pacatez do Caramulo entre as fronteiras do sanatório dirigido pelo pai até que, aos cinco anos, a família se muda para África com malas e bagagens. A liberdade africana completa o resto da "infância livre e feliz" que garante ter tido. Volta com o 25 de abril, dez anos feitos e para o único sítio onde havia raízes para recomeçar tudo de novo: a pequena aldeia de Valnogueiras, no concelho de Vila Real. Um lugar "longínquo", recorda Passos Coelho, e, sobretudo, em contraste aberto com as grandes savanas africanas. A casa de pedra e com condições mínimas, onde chegou de noite e sem luz, "foi um choque. Andei um ano a ter saudades de África".

Mas, como todo o resto da família, estava condenado a fazer-se à vida. Apesar da mudança de cenário e da perda de liberdade que a vida nas colónias permitia. Em Vila Real, não era suposto sair de casa de manhã e voltar à noite, como se habituara desde cedo em Angola. Nem o pai, agora, circulava de casa em casa, como costumava, em tertúlias de grandes conversas, a que o miúdo sempre fazia questão de assistir. O momento era de recomeço e os hábitos de vida das gentes transmontanas não convidavam a aventuras.

Conformou-se. "Passei de extrovertido a tímido.

Fechava-me em casa a ler, não tinha quase amigos", recorda Passos Coelho.

"Era um jovem adulto. Notava-se isso na atitude, na conversa, na maneira de estar", lembra Rudolfo Rebelo. Álvaro Pinto, que o conhece desde os 11 anos, confirma o quanto "era diferente dos jovens da altura, marcava pela maturidade". Tinha hábitos bem mais próprios de um adulto do que de uma criança: ler, ouvir música, cantar ópera a partir dos discos de vinil do pai e da sua paixão por Maria Callas. Transmitia essas 'modernices' a Álvaro, seu vizinho da frente e dos poucos amigos que fez nos primeiros tempos em Trás-os-Montes. "Entretínhamos-nos a gravar debates políticos, em casa", diretamente para o leitor de cassetes que, depois, reproduzia, roufenho, as vozes de adolescentes a aprender a cartilha política.

PSD veio nas cartas.

Na escola, cumpria, tudo muito certinho, enchia as pautas de notas máximas. Fátima Fernandes, sua professora de matemática, reconhece que teve pela frente "um aluno diferente" um dos raros "que qualquer professor deseja ter". "Sobressaía", garante, pela capacidade de trabalho, pelo método, pelo espírito aplicado e organizado que punha em tudo o que fazia. A família habituou-o cedo a ser autónomo e a resolver os seus próprios assuntos. "O meu pai com o estudo dos filhos não tinha paciência nenhuma.

A ajudar-me, por exemplo, nos problemas de Matemática, era ou percebes ou és burro", lembra nas suas memórias de vida.

Ser bom aluno foi uma meta simples. Ajudou a vida em Vila Real e as poucas alternativas que lhe dava para queimar o tempo livre com outras distrações. Em 1978, com 14 anos e uma pauta repleta de 5s, vê até chegar as férias grandes como "ameaça de três meses de tédio" sem nada para fazer senão, eventualmente, apanhar o "comboio tipo Texas" (leia-se a vapor), para passar umas horas nas piscinas de Vidago. Foram os sociais-democratas que lhe "salvaram o verão", garante.

Um torneio de cartas na sede do partido serviu de álibi para tornar mais curtas as longas e quentes tardes de estio. E aproximaram o jovem da política, de onde não saiu tão cedo.

A biografia de Passos Coelho conhece, nesta altura, uma aceleração. A política veio nas cartas. A vida do jovem militante torna-se um corre-corre, num país que está a conhecer a primeira a efervescência democrática.

Entra numa lista para a concelhia do JSD e acha "fantástico" o mundo do debate, da estratégia, da luta política, que se lhe abre à frente. Discute, entra na máquina, nunca mais sofre dos males do tédio. Sá Carneiro acabava de regressar ao partido e Pedro apanha boleia do pai para assistir ao congresso marcado para o Hotel Roma, em Lisboa. Entra com um cartão de observador arranjado à pressa e a poder de muita insistência, para reconhecer no novo líder uma "fonte motivadora".

"Tinha uma presença desproporcionada para o espaço que ocupava", recorda.

Lembra-se da aura que emanava de Sá Carneiro, dos "tipos de Lisboa que o tratavam com alguma familiaridade, mas que ele não deixava que se aproximassem. Era cortante, duro e cru. Não era um grande orador, mas muito incisivo".

Político, sem idade para votar.

Não larga o partido, nem este larga o jovem militante que se torna ativíssimo em tudo quanto é campanha. A morte do líder apanha-o em Chaves, onde o pai se alonga numa conferência clínica a que foi assistir. Foi um choque frontal. Passos Coelho nem pestaneja em vir para Lisboa, deixa a boleia paterna que tarda e opta por seguir sozinho na primeira camioneta para a capital. Tinha 16 anos e assiste "a todas as exéquias", acompanhado da irmã Teresa, estudante em Lisboa e em casa de quem se alberga. O passo seguinte foi quase natural. Entra na lista minoritária que, no congresso de Albufeira, Rui Gomes da Silva lidera para acesso ao Conselho Nacional. Ganham e, a partir de então, passa a ter assento nas decisões nacionais da cúpula social-democrata.

Conhece por dentro o rodopio de líderes que marcam os anos difíceis do pós-Sá Carneiro: Balsemão, Mota Pinto, Machete. Assiste às guerras de barões, às lutas internas às ascensões e quedas de nomes como Cavaco, Marcelo Rebelo de Sousa, João Salgueiro. Às troikas e às guerrilhas partidárias.

Faz o estágio completo, aprende depressa o bom e o pior da vida partidária, de como por vezes são impiedosas aquelas máquinas trituradoras. "Ainda hoje sinto o mal-estar, o como fiquei mal impressionado por ver gente tão civilizada que ocupava lugares de grande relevância a agredir-se de forma violenta", lembra a propósito da demissão de Pinto Balsemão. E isto tudo ainda antes de atingir a idade de poder votar.

Faz o trabalho de casa na Jota, com Pedro Pinto e Carlos Coelho, preparam moções e documentos, e com elas as notas do final do secundário começam a refletir-se do excesso de atividade política. Logo ele, que insistia em seguir Medicina - atrás das pegadas do pai e da irmã - vê-se obrigado a fechar para estudos e a repetir um ano para melhorar as notas. Aos 18 anos, tem o seu primeiro emprego como professor de Matemática em Vila Pouca de Aguiar, onde faz o compasso de espera para melhoramento das médias. Consegue 16,8 no final do secundário e um passe para o curso de Matemática, na Faculdade de Ciências de Lisboa, a duas décimas e poucos metros da vocação para Medicina.

Fazer dupla com um buldózer.

A vida na capital política acaba com o resto das virtudes de estudante. A ambição do jovem passa para terrenos bem mais frutuosos, esquece a vocação de professor de Matemática e avança para a grande política. Entra a tempo inteiro na Jota, mergulha de cabeça. Miguel Relvas, seu vice-presidente e companheiro inseparável desde então, reconhece-lhe os mesmos traços. "Sempre foi muito ponderado, estuda tudo, lê muito. Gosta de trazer a decisão tomada, quando o momento chega", diz. Não podiam ser mais diferentes: "eu sou tipo buldózer, ele não é nada disso.

É calmo, reflexivo". Mesmo em jovem. Mesmo com os quatro maços de cigarros que chegou a fumar por dia. Mesmo com as noitadas regadas a álcool para aguentar. Mesmo quando foi "muito excessivo, porque os tempos eram outros", diz Relvas. Ninguém revela manchas no passado, como se houvesse necessidade de passar um certificado de que o líder é clean.

A vida pessoal também correu depressa.

Aos 21 anos, numa noite de copos no Botequim, conhece Fátima Padinha, uma das Doce, a girl's band que primeiro pôs o país a abrir a boca de espanto com os decotes generosos e gestos modernaços que traziam para os palcos. A mulher teve nele o impacto de uma bala. Não perderam tempo e passaram do desconhecimento completo a casal para a vida. Nessa mesma noite decidem viver juntos, apesar da notória falta de meios de subsistência nem se ralam. O convite de Couto dos Santos para a Secretaria de Estado da Juventude vem a calhar para acertar as contas do casal. Mas não aparenta prender-se por dinheiro. "É completamente despojado.

Notava-se que tanto vivia com mil como com 10, adaptava a vida sem qualquer problema material", diz o candidato e cabeça de lista por Aveiro. "É zero materialista", resume Ângelo Correia. "Tem ar de lisboeta, mas alma de transmontano". Não liga às aparências, nem ao chique, "guia o seu velho Opel Corsa, passeia os cães, fala com as vizinhas, sente-se bem na tasca. Não é dado a luxos, não liga nada a isso", garante o patrão da Fomentinvest.

"Um homem comum", resume Couto dos Santos.

Mas duro de vergar, se não mesmo de nariz empinado. Na Secretaria de Estado o sucesso do novíssimo cartão jovem- "uma vitória política lançada por nós", relembra Couto dos Santos - só parecia não agradar ao jovem assessor. "Chamava a atenção para o facto de estarmos a estimular o consumismo entre os jovens, levantava dúvidas", diz o ex-secretário de Estado. Sempre tudo dito em tom delicado, mas duro. "Era convicto naquilo em que acreditava, nada reverencial".

Achava que era ele quem estava certo e, em parte por essa desavença, saiu do gabinete alcatifado do Governo. "Reconheço que tinha alguma razão, mas como acabar com um sucesso daqueles?", ri agora o deputado.

Do Governo para a Picheleira.

Saiu à mesma velocidade e pela mesma porta do poder por onde tinha entrado. Voltou à Jota e a um modesto andar na Picheleira onde vivia com a mulher e com pouco mais. Nasce a primeira filha, assume o papel de pai por completo, não se furta aos biberões, às noites sem dormir, aos banhos e aos ritmos duros da primeira infância. Consegue o milagre de conciliar tudo, sem perder balanço na subida no aparelho da Juventude Social Democrata, onde chega a líder em 1990. Era o tempo da guerra das propinas, dos estudantes nas ruas contra o Governo maioritário de Cavaco Silva que se decidira a mexer - pela primeira vez em mais de 40 anos - no valor anual pago para frequentar o ensino superior. Mário Soares, no Palácio de Belém, dá sinais de apoio à massa de alunos que invade as ruas da capital aos gritos de "não pagamos!" e veta a primeira lei cozinhada pelo Governo. A avenida 5 de Outubro, onde se localiza o Ministério da Educação, passa a chamar-se o "manifestódromo", tal a frequência dos protestos.

O país percebe que tem um problema sério entre as mãos. Passos Coelho, também.

As contas eram difíceis de equilibrar, o coração balançou a favor das massas que cresciam em potência de voz e em número. Não quis perder a embalagem, nem a maioria dos jovens e entra em contramão com a estratégia do PSD e com uma das bandeiras reformistas do seu governo. O partido não percebe a reviravolta, sente-se traído por dentro.

Volta a chocar com Couto dos Santos, desta vez ministro da pasta educativa, quando reconhece publicamente razão aos estudantes que veem passar as propinas de 5 para 500 euros num só ano e de uma só vez. "Foi um período difícil", reconhece Couto dos Santos que, admite, tentou a conciliação propondo uma solução de compromisso ao primeiro-ministro para acalmar os ânimos: "seriam os reitores a fixar uma taxa de serviço" pelos estudos universitários. Uma maneira de esfriar a guerra, mas que recebeu um rotundo "não" de Cavaco Silva. Pedro Passos Coelho aumentou a parada. Ele e os restantes deputados da Jota desafiaram o primeiro-ministro e o Governo e anunciaram votar contra o novo orçamento, caso o Governo insistisse em arrecadar receitas das propinas sem contrapartidas. "Na altura, o partido tinha uma reverência enorme para com Cavaco Silva, mas Passos não, confrontou-o. Obrigou Cavaco a negociar diretamente".

E o primeiro-ministro cedeu. Ligeiramente e à última hora. Em pleno plenário do Parlamento, manda um recado, através de um funcionário da Assembleia, ao líder da Jota, sentado entre os deputados laranja. Trocaram versões da proposta orçamental, empleno debate parlamentar, até que Cavaco, da bancada, aceitou incluir o valor de uma propina como dedução ao fisco, em adenda manuscrita ao projeto do Governo. O líder da Jota cedeu outro bocadinho. Mas nem Cavaco nem Passos Coelho, até hoje, se esquecem da cena.

Partir a loiça toda do serviçoÉ teimoso, "muito teimoso", garantem os amigos mais próximos, tem uma vontade de ferro para levar a água ao seu moinho. Corta a direito no partido, às vezes parece um elefante numa loja de porcelanas, a cortar elos antigos, a limpar rente o que lhe soe a carreirismo, vícios de aparelho, caminhos de subida pela escadaria social-democrata. Os amigos carregam nos elogios e veem nisso uma virtude.

"É extremamente honesto, de um rigor moral que não existe", enleva-se Ângelo Correia, que o acha "completamente incorruptível" e "inimaginável que possa ser colocado numa situação eticamente reprovável". Couto dos Santos põe mais na carta. "Na Jota, tudo o que fossem jobs for the boys, fazia-o 'passar-se'. Acho que foi a única vez que o vi zangado".

Os adversários internos, que em dois anos de presidência já conseguiu reunir em número considerável, reagem. Veem nos vários 'apagões' que provocou nas tradicionais listas de candidatos às eleições um sinal de ajustes de contas, de pequena vingança com o passado.

Mau perder.

De quem comete os mesmos pecadilhos que aponta aos seus antecessores no PSD como vícios intoleráveis. Substituiu nomes de peso no aparelho, por jovens estreantes e ditos independentes. Pacheco Pereira - um dos apagados para as próximas legislativas - nota-lhe sinais de "falta de consistência", critica-lhe as tentativas de silenciamentos das vozes mais críticas. Nogueira Leite reconhece que o PSD tem "estado frouxo" com o novo líder. Marcelo não lhe poupa a falta de treino, a inexperiência que o levou demasiadas vezes a cair "na armadilha do PS" e de se "deixar picar" pelas sucessivas provocações que a experiente máquina socrática lhe põe pela frente. Mesmo de fora, as críticas não se fizeram esperar. Mortal, Vasco Pulido Valente vê que o PSD do novo líder, rodeado de uma corte pequena e pouco rodada, se está a transformar numa "agremiação de suicidas".

Os mais próximos, enlevados pela vontade de mudar que Passos Coelho usa como slogan principal, defendem que o novo modus operandi do líder vai tão contra a corrente instalada que é inevitável a elevada fatura interna agora apresentada pelo baronato social-democrata. E acreditam que o "rigor" e o corte com as cunhas e com as vassalagens partidárias são a missão principal do atual inquilino de São Caetano. "Não imagino alguém a ter uma conversa torta com ele", diz Rudolfo Rebelo, para quem o líder é imune a trocas de favores políticos. A sobriedade está no ADN de Passos Coelho, é quase um calvinista, registam os mais próximos e acentuam esta faceta biográfica.

No limiar da forretice.

Manuel Castro, administrador da Tecnoforma, onde Pedro Passos Coelho chegou como consultor em 1996, confirma.

Entrou naquela empresa deixando a política para trás das costas e com o feito de ter sido o único deputado a deixar o Parlamento sem requerer a subvenção mensal a que tinha direito. "Acho mesmo que prescreveu", diz Miguel Relvas que, encolhendo os ombros, assume que não seria de esperar outra coisa "do Pedro". O administrador lembra-se da altura em que lhe passaram para as mãos o pelouro financeiro da Tecnoforma com a intenção de reduzir custos. "Aí sofremos um bocadinho", recorda. Passos Coelho foi direito às "gorduras da empresa" e passou-a a pão e água. Cortou nos cartões de crédito, nos carros, nos extras de representação e nas viagens a que todos se habituaram a ter direito. Adotou a receita que usa consigo próprio. "É incapaz de tirar proveitos", acrescenta Miguel Relvas. Ainda hoje, "tem um carro pequeno onde não cabe toda a família.

Por isso, as filhas mais velhas vão de comboio para férias. Nem pensar em usar o carro do partido!", acrescenta. "É muito poupado", acrescenta Feliciano Barreiras Duarte, seu chefe de gabinete e ex-parceiro na Jota.

É dos que "apagam sempre as luzes e desligam o ar condicionado quando saem do escritório".

Usa as canetas até ao fim, aproveita o lado B de cada papel, tem um toque de economia doméstica em cada gesto banal.

"É um bocadinho avarento", prefere resumir Sérgio Porfírio, o administrador que o convidou para entrar na Tecnoforma. Lembra-se dele a chegar num velho "Panda, quase podre", enquanto conciliava trabalho e as aulas da universidade, para onde voltou adulto feito e direito para tirar Economia. "Era extremamente organizado e disciplinado", afirma. Equilibrava tarefas, mudou de vida, passou por um divórcio, sem que, na empresa, se desse por nada. "Tem grande autocontrolo, nunca o sentimos alterado". Nesta pausa da política, em plenas férias de verão, conhece Laura Ferreira, na Praia da Oura, em casa de Manuel Castro. Começam a sair, decidem casar-se, mas as emoções são matéria para deixar à porta do escritório. "No dia do casamento, ainda veio trabalhar para aqui.

Só depois nos encontrámos todos no restaurante", lembra Sérgio Porfírio.

Apaixonou-se "pela calma, pela tranquilidade" que o homem mantém apesar de todas as crises. "E pela diferença enorme que existe entre a aparência certinha e distante que tem sempre e a emoção que põe em cada coisa que faz". Esta "paixão que tem pela vida", a maneira como "é atento e carinhoso com todos os que ama" são traços que, ainda hoje, enchem de emoção a voz da mulher.

A família é o seu "estabilizador", diz Laura. Precisa dela como de um carregador de baterias. Não gosta de dormir fora de casa, prefere fazer o dobro dos quilómetros se isso for necessário para o trazer de volta a Massamá onde, com a mulher, a enteada de 16 anos e a filha de 4, passa do reboliço da política para a calma caseira.

Sem jornais nem televisão.

Na sala, a televisão está desligada, não há telejornais, nem jornais com manchetes a lembrar que vive ali o líder do maior partido da oposição, a caminho de umas eleições e em plena crise económica. Passa a semana entre reuniões, entrevistas televisivas, contactos ao mais alto nível. Faz questão de guardar tempo para si próprio. Em casa, digere a agenda política, em sessões de cinema caseiro, em conversas de cabeceira. Ou em longos serões familiares onde canta o fado ao som das violas dos amigos, depois das jantaradas que insiste em preparar com a cozinha só para ele.

Em contraste, o seu gabinete na sede do PSD é uma agitação constante. No rés do chão, entram as delegações para as reuniões ao mais alto nível. No primeiro andar, os colaboradores recolhem dados, preparam relatórios, analisam as notícias, atendem jornalistas e encaixam 'eventos' na cada vez mais apertada agenda, que levam à sala do presidente, ali mesmo ao lado. No segundo andar, Carlos Moedas e Eduardo Catroga estão em reunião permanente. Há mais de três semanas que são os primeiros a chegar à Lapa - às sete da manhã - para uma jornada de trabalho e a redação de um programa eleitoral. Passos Coelho reúne, pede documentos que lê ao pormenor, discute os detalhes. E ouve, sem deixar transparecer se concorda, ou não. Sem fazer denunciar quem mais o influencia, entre o grupo de assessores que dão o litro e o veneram.

"É tudo gente que se atira para cima da granada", resume Rui Baptista, o adjunto para a imprensa e um dos membros da equipa do líder.

"Num país em que todos os políticos falam de mais, ele tem uma virtude única: ouve, ouve, ouve", diz Ângelo Correia. Miguel Relvas quase desespera com os tiques do líder que se recusa a mudar o número do telemóvel para continuar a receber mensagens, a atender toda a gente, a insistir em falar com todos. "Eu não tenho paciência", confessa o vice-presidente, a eletricidade em pessoa, sempre agitado e a preparar um terreno cada vez mais difícil. Do outro lado da barricada, a máquina socialista parece bem mais oleada, responde taco a taco a cada falha de discurso, a cada erro de casting, a cada má jogada do lado do PSD. São anos de experiência contra os estagiários do poder, atirados para o meio de uma dura guerra, com muita vontade mas pouco armamento pesado.

Pausa sem Nobre.

Pedro Passos Coelho mantém-se imperturbável. Passa os longos dedos pelo telemóvel para ler mensagens, devolve SMS. Atende o velho militante de Campo de Ourique e o futuro ministro, mesmo quando as horas do dia se tornam curtas para tantas chamadas à terra. "Tem um enorme leque de pessoas que gosta de ouvir", custe isso o tempo que custar, dizem os assessores, que estranham a paciência do líder e a miscelânea de contactos que faz diariamente.

Gente de "várias áreas", garantem, muitos ex-responsáveis pelas pastas mais sérias do Governo. O topo da nação. "É um bom auscultador", diz Laura, que não tem dúvidas de que a última palavra é do marido e só dele. Depois de tomada a decisão, não olha para trás. Desliga das críticas e de tudo o resto. Há quem ache que perde tempo e vantagem por isso mesmo.

É sábado de manhã, passou uma semana agitada de luta política e de preparação das eleições. Em casa, não há vestígios do impacto mediático que teve o convite feito a Fernando Nobre para presidente da Assembleia da República. Só mesmo no 5º andar dos arredores lisboetas. Porque os jornais e as rádios, desde cedo, não se cansam de dar voz a despeitos e acusações. Pedro Passos Coelho não viu, não leu, não ouviu nada. Tem umas horas para si e para a família. Vai ao supermercado fazer compras, prepara uma moamba de galinha com gestos de profissional. Está em casa. A política vem já a seguir. A pausa é necessária. A família é um bálsamo a que volta sempre. Se correr mal? "Deixa o Partido em 10 minutos", diz Miguel Relvas.

Há vida para lá do PSD. E, claro, além do défice. Por mais milhares de milhões que ele possa ter.

Rosa Pedroso Lima, aqui
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