domingo, 5 de dezembro de 2010

O ESTRANHO CASO DO ELECTRICISTA FRANCÊS QUE TINHA 271 OBRAS DESCONHECIDAS DE PICASSO

Descobrir centenas de obras inéditas de um dos pintores mais importantes do século XX é o sonho de qualquer um.

Mas o problema desta história é exactamente ser demasiado boa para ser verdadeira. Um electricista francês de 71 anos revelou que tem uma colecção de 271 obras desconhecidas do pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973).

A colecção foi examinada por especialistas e as obras, que datam do início do século XX, entre 1900 e 1932, têm um valor estimado de 60 milhões de euros. Entre as descobertas figuram nove colagens cubistas no valor de 40 milhões de euros e uma aguarela do período azul.

"Isto foi uma surpresa para Claude Picasso e toda a gente", disse ao PÚBLICO Jean-Jacques Neuer, advogado da Administração Picasso.

Segundo o jornal francês Libération, que avançou ontem com a extraordinária notícia, as obras só foram agora descobertas porque o electricista, Pierre Le Guennec, entrou em contacto com Claude Picasso, filho do artista e responsável pelo legado do pintor, para obter os certificados de autenticidade.

Não é normal.
Em Janeiro, o electricista terá enviado, juntamente com algumas fotografias das obras, uma carta ao herdeiro de Picasso a contar que tinha em sua posse vários trabalhos do pai e que gostaria de vê-los autenticados.

"É a primeira vez que isto acontece, estamos a falar de duas centenas de obras de Picasso que não estão catalogadas", disse Jean-Jacques Neuer, explicando que o caso foi entregue à polícia em Setembro, depois de Claude Picasso ter decidido contactar Pierre Le Guennec e a sua mulher para perceber a origem das obras.

"Não é normal estas obras não estarem catalogadas, não é normal uma pessoa ter tantos trabalhos de Picasso em sua posse e ninguém saber e por isso é preciso investigar", explicou o advogado que defende os interesses dos herdeiros do pintor.

Pierre Le Guennec, actualmente reformado, alega ter sido electricista de Picasso nos últimos três anos de vida do pintor, que morreu aos 91 anos. Le Guennec disse ao Libération que instalou sistemas de alarme nas diferentes casas de Picasso, incluindo na sua casa de Cannes, onde muitos trabalhos estariam armazenados. Como forma de agradecimento pelo trabalho, Picasso e a sua mulher terão dado as várias obras de arte de presente ao electricista em diferentes ocasiões.

Os herdeiros do pintor não acreditam na história do electricista e decidiram apresentar queixa por roubo contra o antigo operário. Para Claude Picasso, o seu pai nunca daria a ninguém uma quantidade tão grande de obras. "Nunca se viu, não faz sentido, é parte da sua vida", disse ao Libération o herdeiro, acrescentando que a justiça deve resolver este mistério. "É verdade que Picasso sempre foi bastante generoso. Mas ele datava e assinava sempre as suas doações, porque sabia que algumas pessoas acabariam por vendê-las", concluiu.

Para Pedro Lapa, antigo director do Museu do Chiado - Museu Nacional de Arte Contemporânea, toda esta história é muito estranha e deve mesmo ser investigada. "São obras que têm um valor histórico muito grande e por isso seria pouco provável que Picasso as cedesse a um electricista", explicou Pedro Lapa.

"Esses trabalhos encontrados são de um período muito importante de Picasso, têm um valor enorme e por isso sempre foram muito cobiçados por museus e o próprio Picasso sabia disso, não as ia oferecer assim", acrescentou o antigo director do Museu do Chiado, que organizou uma exposição de Picasso no museu de Lisboa em 1997. Lapa interroga-se por que razão só quase 40 anos depois Pierre Le Guennec revelou as obras.

"Não dá para entender o que aconteceu, mas o caso já está a ser investigado e por isso há pormenores que ainda não podem ser adiantados", explicou o responsável pelo caso.

Entre as descobertas figuram retratos da sua primeira mulher Olga, bem como vários guaches e litografias. O tesouro de Picasso estava guardado na garagem da residência do casal, na Côte d"Azur, no Sul de França. Já foi confiscado e as obras estão agora guardadas no cofre do departamento francês contra o tráfico de bens culturais (OCBC).

Apesar de se terem declarado inocentes, Pierre Le Guennec e a sua mulher vão ter agora que explicar em tribunal toda a história destas peças e porque só agora decidiram pedir os certificados de autenticidade.O que vai acontecer às obras de arte e para onde vão são pormenores que ainda não se sabem. "Primeiro temos que resolver o caso.

Neste momento, o mais importante é preservar e organizar todas as obras descobertas", concluiu o advogado da família Picasso.

Cláudia Carvalhoaqui