sexta-feira, 24 de setembro de 2010

VOZES DE BURRO...

Era uma vez um país de reformados. O presidente estava reformado, o primeiro-ministro reformado estava.

Muitos dos ministros encontravam-se em igual condição e assim também os presidentes das autonomias, vários deputados, os presidentes das câmaras, líderes e ex-líderes de partidos políticos, e gestores de muitas empresas (até públicas). A eles se juntavam na reforma, professores e funcionários de pequeno porte.

Porém, todos eles, na plenitude das suas capacidades intelectuais e em boa forma física, continuavam no activo. Com isso, argumentavam, contribuíam para o desenvolvimento da Pátria, a quem ofertavam o melhor da sua experiência e saber.

Algumas "vozes de burro", das que não chegam ao Céu, clamavam aleivosamente que os ditos recebiam reformas milionárias, acumulavam pensões, e a tudo juntavam (no todo ou em parte) os vencimentos das funções que desempenhavam no momento, fosse no sector público ou no privado. Por isso, diziam os invejosos que a situação era imoral porque enfraquecia a Segurança Social e dava um contributo (embora, modesto) às elevadas taxas de desemprego e de precariedade…

Este podia ser o início de uma história para não deixar adormecer adultos mas dispensemos a ficção. Fiquemo-nos pelo que acontece mesmo em Portugal. Então…

O presidente da República é reformado; o seu principal opositor nas próximas eleições, reformado é. O presidente do Governo Regional da Madeira não dispensa a sua pensão; pelo menos um secretário de Estado está na reforma, tal como fazem ex-ministros e actuais eleitos do poder local, ex-deputados, comentadores políticos, etc.,etc.

Faço como o Ministério das Finanças e não cito nomes. Lembro só que há, neste país desencontrado, quem receba muitos milhares de euros mensais de pensão, por ter desempenhado um cargo meia dúzia de anos. E que, só no primeiro semestre deste 2010, a despesa do Estado com as reformas vitalícias dos políticos terá ascendido a 4,8 milhões de euros. Recordo, também, que o número de desempregados ultrapassa os 700 mil e, dos que ainda têm emprego, há um milhão e 250 mil a trabalhar em situação de precariedade.

Sou contra as reformas por limite de idade. Com o aumento da esperança de vida, com a melhoria das condições de saúde, entendo que a reforma deve ser um direito mas não uma obrigação. Cada um deve poder continuar a trabalhar enquanto tiver condições para o fazer eficazmente.

Mas, correndo o risco de juntar a minha às "vozes de burro", no actual quadro económico e social, entendo ser imoral acumular reformas ou receber um salário, mesmo que não na totalidade, para somar a uma gorda pensão. Não é correcto e é um mau exemplo que vem de cima.

Tal como as coisas estão, em Portugal, feitas as contas, não há moralidade nem comem todos.

Mário Contumélias, aqui