quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O DOURO ESTÁ A FICAR NA MODA

Património Mundial, a região do vinho do Porto atrai cada vez mais visitantes - a mais recente foi Sophia Loren, convidada de honra do Douro Film Harvest.

Restaurantes modernos, unidades hoteleiras de qualidade internacional e o frenesim de cruzeiros no rio são a face visível da mudança. A ambição é ser um paraíso turístico, mas subsistem problemas.

É quarta-feira e, ao início da tarde, há três barcos de cruzeiros ancorados no moderno cais da Régua. Em fundo, pendurado no muro que suporta a estrada marginal, um grande outdoor mostra um fragmento da paisagem duriense: um comboio a carvão aproximando-se de uma estação caiada de branco, o rio espelhando a mesma imagem bucólica nas suas águas. Ao lado, a frase: "O Douro tem um lado romântico. Maravilhe-se com ele."

Alheios à poesia do lugar, quatro homens ciganos carregam sacos de chapéus em busca dos turistas que vão deambulando junto ao rio Douro. "Queres que eu te leve o saco?", dispara um polícia que vai a passar de carro. "Não", responde o líder do grupo. "Então vai lá embora", rematou o agente, sem chegar a parar.

Os homens afastam-se, deixando o negócio do cais entregue a uma vendedora de rebuçados da Régua e à loja de lembranças Ideias Douro. Logo a seguir, chega um barco rabelo carregado de turistas franceses, idosos sobretudo. São algumas dezenas e, depois de terem feito o percurso Porto-Régua e vislumbrado um pouquinho do Douro, vão a caminho de Nelas, para visitarem uma queijaria de Serra da Estrela. Não param sequer para se refrescarem do calor. Em menos de cinco minutos estão dentro do autocarro. O cais volta a esvaziar-se. Mas é por pouco tempo. Por esta altura do ano, há sempre um barco a chegar ou a partir.

"Quando começámos a realizar cruzeiros no rio Douro, tínhamos de atracar o barco, na Régua, contra dois pneus de camião", lembra Mário Ferreira, proprietário da empresa Douro Azul. Corria o ano de 1993 e o velho sonho de navegar desde a foz até Barca D" Alva, aproveitando as eclusas instaladas nas cinco barragens do troço nacional do grande rio do Norte, só tinha sido alcançado três anos antes, após arrastadas e caras obras de desassoreamento.

Da memória dos velhos barcos rabelos, passava-se para a odisseia dos navios de cruzeiros, mas os primeiros tempos quase que perpetuaram a aventura dos antigos navegantes. A sinalização era deficiente e os lugares de atracagem um remedeio perigoso. Só com a chegada de Mário Fernandes à presidência do então Instituto de Navegabilidade do Douro (IND), em 1997, é que a situação começou a mudar.

Em pouco tempo, este antigo quadro da EDP, falecido em 2004, disciplinou a extracção de areias, rentabilizou o constante desassoreamento do rio e, com o dinheiro arrecadado, começou a construir uma rede de cais ao longo dos 200 quilómetros de canal navegável. "O Marquês de Pombal marcou a região em termos de agricultura, o engenheiro Mário Fernandes marcou o Douro em termos turísticos", resumia Manuel Mota, presidente da Associação Amigos Abeira Douro, durante a homenagem que, em Abril de 2008, foi feita ao antigo presidente do IND no cais da Régua, onde foi colocado um busto seu.

Mário Fernandes demitiu-se em 2001, após a queda da ponte de Entre-os-Rios, mas, em apenas quatro anos, ergueu um notável conjunto de infra-estruturas ao longo do rio e abriu finalmente o Douro ao turismo. Hoje, quando se pergunta a Mário Ferreira se o Douro vai ser uma região de turismo, a sua resposta não deixa dúvidas: "Já é. Enquanto na Madeira e no Algarve o turismo está em queda, no Norte de Portugal e no Douro está a crescer a dois dígitos por ano."

Mesmo com o mercado interno em recessão, a procura de clientes estrangeiros tem suportado o crescimento do número de passageiros transportados pelos mais de 30 barcos de cruzeiros que já operam no Douro. Por ano, sobem o rio mais de 200 mil pessoas, em rabelos adaptados ou em sofisticados barcos-hotel. O turismo fluvial é a face visível do desenvolvimento turístico no vale do Douro. Quem viaja pela região do vinho do Porto a partir da Primavera está sempre a deparar-se com a visão de um barco a cruzar placidamente as águas calmas do rio.

Da residencial manhosa aos hotéis de luxo.
Mas as mudanças não se confinam ao grande espelho de água. Na última década, que coincidiu com a elevação do Alto Douro Vinhateiro a Património Mundial (Dezembro de 2001), abriram novos e modernos restaurantes, velhas quintas de vinho do Porto converteram-se ao enoturismo e ao turismo em espaço rural e outras foram ainda mais longe, passando a acolher hotéis sofisticados. Já havia uma ou outra pousada na região e propriedades como as quintas do Vallado, Seixo, De La Rosa, Pacheca, Panascal, Portal, Nossa Senhora do Carmo, Carvalhas, entre muitas outras, passaram a associar ao negócio do vinho uma componente turística. Algumas transformaram mesmo antigas casas e construções rurais em pequenas unidades hoteleiras de charme. Mas a abertura, na quinta de Vale Abraão, do Aquapura Douro Valley, um hotel&spa com 50 quartos e 21 villas, e do exclusivo Hotel da Romaneira, na quinta com o mesmo nome, marcaram uma nova etapa na oferta hoteleira e na imagem do Douro. De um momento para o outro, a região passou da pensão manhosa para as unidades turísticas de nível mundial.

Sexta-feira, 10 de Setembro. Na Romaneira, metade das 20 suítes estão ocupadas e isso é motivo suficiente para não se poder visitar o hotel. A privacidade dos hóspedes é sagrada, explicam-nos. Apenas nos é permitido jantar e só porque o restaurante fica na parte alta da propriedade, já bem longe dos dois principais edifícios que compõem esta unidade hoteleira, pertencente a um grupo de quadros da seguradora Axa. Normalmente, os hóspedes comem no edifício principal, mais próximo do rio. Mas a panorâmica não é a mesma.

As opções são apenas duas: um menu simples ao preço de 50 euros sem vinhos ou um menu de degustação de 75 euros igualmente sem vinhos. Escolhemos o primeiro, sem podermos, porém, opinar sobre o que queríamos comer. O chefe é que escolhe. O cliente só tem de dizer previamente se é alérgico a algum alimento ou se é vegetariano.

A visão do vale é indescritível e o restaurante permite ver tudo. O sol ainda deixa escapar algumas centelhas de luz sobre o horizonte amplo, mas o rio, onde um pequeno barco vai deixando um rasto ondulante, já mergulhou na sombra quente e romântica do entardecer. Não há vento e o único rumor que se ouve é o eco frouxo do latir de cães vindo da vizinha quinta de Roriz, na outra margem do rio.

Na cozinha, por casualidade, está o chefe principal, o francês Frederick Eryer. No fim-de-semana anterior, o hotel serviu um casamento com mais de 200 convidados, todos franceses. Os pais do noivo tinham estado no ano passado na Romaneira, gostaram e voltaram agora para fazer a boda. A família dos noivos ficou na Romaneira, os restantes convidados foram alojados nos hotéis e pousadas da região. Cada diária na Romaneira custa 1100 euros, para duas pessoas, com todas as actividades de lazer incluídas. Já dá para imaginar quanto custou o devaneio. O nosso ficou por 145 euros. Nada de especial, se o jantar não tivesse sido uma desilusão.

O Douro sempre teve bons vinhos e a paisagem nunca deixou ninguém indiferente. Faltava-lhe, porém, um restaurante à altura da beleza e da grandeza do lugar. Quem preencheu esse vazio foi o restaurante DOC, situado no cais da Folgosa, na estrada que liga a Régua ao Pinhão, o centro turístico do Douro.

São cerca das 16h de um dia de semana e ainda há pessoas, sobretudo estrangeiros, a acabar de comer. Três mulheres conversam junto ao varandim da esplanada lounge, pendurada mesmo sobre o rio. Lá dentro, uma equipa da Rádio Comercial, em reportagem iniciática pelo Douro, remata a refeição com um Portonic (bebida refrescante feita de vinho do Porto branco, água tónica, gelo e uma folhinha de menta). "Estamos deslumbrados", confessa Vanda Miranda, que anima as manhãs da Comercial, ainda com a memória fresca da paisagem e do cachaço de porco Bísaro que havia provado com vinhos da Niepoort. "Já fizemos um pacto: vamos comprar um barquinho e vimos para aqui", acrescenta, gracejando, Vasco Palmeirim, companheiro de programa.Edifício de linhas contemporâneas, o DOC é uma janela aberta sobre a imagem idílica que temos do vale do Douro: quintas, encostas íngremes cobertas de vinhas, o rio imenso e brilhante, uma aldeia ensimesmada pela quietude do lugar que só a passagem do comboio vai despertando. Aberto em 2007, o restaurante do chefe Rui Paula transformou-se em apenas três anos numa referência regional e nacional. "O DOC é um caso único, pois, sozinho, fez a cozinha duriense sair do marasmo, posicionando-a num patamar de sofisticação e de criatividade até então desconhecidos. Isto no Douro, a nossa região vinícola mais prestigiada", escreveu recentemente na Fugas David Lopes Ramos, crítico gastronómico do PÚBLICO.

Hoje, o DOC já não está sozinho. Restaurantes como o Castas e Pratos, Douro In (Régua) e LBV 79 (Pinhão), a par dos mais antigos Cepa Torta (Alijó), Museu dos Presuntos, Barriguinha Cheia e Chaxoila (Vila Real) e Bruíço (Foz Côa) constituem excelentes opções, oferecendo um serviço e uma cozinha de qualidade.

Novos vinhos e atenção da imprensa internacional.
Acompanhando a mudança na hotelaria e na restauração, a viticultura duriense também entrou numa nova era. Nos últimos anos, os vinhos de mesa do Douro ganharam uma formidável projecção nacional e internacional, reforçando a imagem da região, que deixou de estar apenas associada ao vinho do Porto. E o negócio do vinho começou a deslocar-se também das caves de Gaia para a sua origem, as quintas.

Fornadas de jovens enólogos mudaram-se também para o Douro, atraídos pela ideia de um emprego romântico ou pela vontade de fazerem o seu próprio vinho, o que tem igualmente o seu quê de romantismo. Não acabaram com a vivência arcaizante da região, mas tornaram-na um pouco mais moderna e cosmopolita.

Arquitectos renomados foram chamados a desenhar novas adegas. A Quinta do Portal, em Sabrosa, apostou em Siza Vieira, a Niepoort, na quinta de Nápoles (Armamar), escolheu o austríaco Andreas Burghardt. A primeira acolhe turistas, a segunda dedica-se apenas à vinificação. Mas os Niepoort não param de receber pessoas ligadas ao vinho vindas dos mais diversos países. "Isto parece a casa da Mariquinhas", diz Luís Seabra, o enólogo principal. Nesta vindima, a adega é, de resto, uma pequena babel: aos vários trabalhadores da casa, juntaram-se enólogos de outras regiões portuguesas, do Uruguai, dos Estados Unidos e da África do Sul.

Seja pelos vinhos, seja pela paisagem, ou por um pouco de tudo, a verdade é que nunca como hoje se falou tanto no Douro, mesmo na imprensa internacional. Importantes jornais e revistas de mercados estratégicos como a Espanha, China e Estados Unidos têm dedicado espaços generosos àquela que é, no sentido moderno do termo, a mais antiga demarcação vinhateira do mundo. Nesta Primavera, a região foi tema de capa do suplemento Viajero, do diário espanhol El País. Mais recentemente, Frank Brunni, o antigo e poderoso crítico gastronómico do New York Times, assinou neste jornal uma grande reportagem sobre o Porto e o Douro, sugestivamente intitulada "Portugal: Velho, novo e desconhecido", em que destacou a beleza da paisagem e a qualidade dos vinhos durienses e da comida, tendo elogiado as refeições feitas no DOC e no restaurante Castas e Pratos, na Régua. No final do ano passado, a National Geographic Traveler publicou um trabalho em que elegeu o vale do Douro como o sétimo melhor destino de turismo sustentável do mundo, à frente de regiões como a Toscana, em Itália. Em 2008, o Douro já havia sido o primeiro destino a nível mundial a receber a avaliação do Centro de Excelência dos Destinos (CED) da Organização Mundial do Turismo. Na altura, os peritos estrangeiros destacaram como pontos positivos a paisagem, os vinhos e a qualidade de algumas unidades hoteleiras. Como aspectos negativos, apontaram a falta de camas, a qualificação insuficiente dos recursos humanos, a sinalização escassa e as dissonâncias ambientais, em particular a questão das lixeiras clandestinas.

Estes e outros problemas já haviam sido diagnosticados no Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Douro (PDTVD), aprovado em 2004. No documento, é assumida a vontade de fazer da região "um grande referencial turístico português, a seguir a Lisboa, ao Algarve e à Madeira", dando assim cumprimento ao Plano Estratégico Nacional de Turismo, que elegera o Douro como um dos pólos turísticos prioritários do país.

Os trunfos são óbvios: dois sítios classificados como Património Mundial (a paisagem vinhateira e as gravuras rupestres de Foz Côa), um rio navegável, um grande património construído (mosteiros cistercenses, solares, quintas, museus), vinhos com notoriedade nacional e internacional. Porém, lê-se no PDTVD, "a evolução verificada nas últimas duas décadas demonstra que sem um impulso enquadrador e estruturante capaz de promover o aproveitamento destas potencialidades e favorecer a criação de um mínimo de "massa crítica", que sustente um novo "destino turístico", com dimensão e qualidade para ser internacionalmente reconhecido, o turismo no Douro tende para uma evolução lenta e pontual, como tem acontecido até aqui".

Uma região rica, de riqueza aparente.
Desde então, o que mudou? "Nos últimos anos foram dados passos muito significativos, mas ainda há muito por fazer. São precisos hotéis com mais quartos nas principais cidades da região, por exemplo", reconhece António Martinho, o presidente do pólo de Turismo do Douro. Falta também, acrescenta, "mudar a mentalidade da região em termos organizativos, para que as diferentes entidades interajam e cooperem entre si. Não só ao nível da hotelaria, da restauração, dos cruzeiros e dos transportes, mas também em relação aos governantes do território, desde os organismos intermédios às autarquias". "Tem de haver uma estratégia concertada. Não vale a pena classificar o Douro e, sem procurar alternativas, fazer, por exemplo, passar linhas de alta e muito alta tensão por cima dos socalcos", sublinha.

Por estar isenta de avaliação de impacte ambiental, a REN tem vindo a instalar grandes postes de electricidade em vinhas situadas na mancha classificada como Património Mundial, poluindo visualmente a paisagem. Gaspar Martins Pereira, um dos grandes obreiros da criação e instalação do Museu do Douro, na Régua, denunciou recentemente o caso num artigo de opinião no PÚBLICO. A partir deste exemplo, o historiador questiona as políticas públicas para a região duriense. "O Douro tem grandes potencialidades turísticas, mas tenho dúvidas de que esteja a ir pelo melhor caminho. Coalhar o horizonte com torres de alta e muito alta tensão é um contra-senso para o turismo", advoga. A construção da barragem do Tua, que irá submergir e acabar com a linha ferroviária que liga aquela localidade a Mirandela, é outra decisão que diz não compreender.

Este é o tipo de obras que não geram desenvolvimento regional, sustenta. "Diz-se que o Douro é uma região rica, só que essa riqueza é aparente. O dinheiro gerado na vinha vai para Gaia, as receitas geradas pela energia hidroeléctrica vão para Lisboa. O que fica no Douro é muito pouco", diz.

Embora produza o mais afamado e lucrativo vinho português, o vinho do Porto (cujas vendas atingiram no ano passado os 352 milhões de euros), e possua uma importante cascata de barragens, a região do Douro continua a apresentar níveis sócio-económicos que a colocam na cauda do país. A população tem vindo a diminuir e as aldeias estão cada vez mais vazias. A renovação da viticultura abriu caminho à produção de melhores vinhos, mas, em contrapartida, "com a mecanização das vinhas, diminuiu a oferta de trabalho", anota Gaspar Martins Pereira.

O Douro é a terra dos paradoxos. As adegas cooperativas existem para ajudar os viticultores, mas, na última década, têm sido o principal coveiro da lavoura duriense. "A monocultura de vinha não é sustentável a nível social. É preciso diversificar o tecido económico e apostar na agro-indústria", defende o historiador. "Alguém compreende que não exista no Douro uma fábrica de sumos? Ou que não se produzam uvas de mesa?", pergunta.

Sem empregos, não há forma de fixar na região a população mais jovem, que continua a emigrar ou a procurar alternativas nas grandes cidades. Enquanto não chegam as fábricas de transformação dos produtos agrícolas, o turismo, associado ao vinho, surge como a grande esperança de emprego. Mas não há turismo sem mão-de-obra qualificada, embora as escolas de Turismo de Lamego e Mirandela estejam a dar uma boa resposta à procura que vai surgindo.

A qualificação vem com o desenvolvimento, e as condições, na verdade, nunca foram tão boas como agora para investir. O Douro tem melhores acessos, melhores unidades de saúde, mais equipamentos culturais. O último a inaugurar foi o Museu do Côa, uma genial obra de arquitectura. Só o comboio continua a destoar.

O comboio que parou no tempo.
Pinhão, fim de tarde. Um barco despeja uma excursão de portugueses junto ao cais. São homens e mulheres de todas as idades. Subiram o Douro de barco, agora regressam ao Porto de comboio. Mais ou menos ao mesmo tempo, três autocarros com estrangeiros vindos de São João da Pesqueira param para os turistas poderem tirar fotos aos painéis de azulejos daquela que é uma das mais belas estações ferroviárias da linha do Douro. Um frenesim multilingue toma conta das plataformas. As máquinas fotográficas disparam a toda a velocidade. Não há tempo a perder. Cinco minutos depois, os autocarros voltam a arrancar em direcção ao cais, onde um barco aguarda o grupo. Uns sobem, outros descem.

Um silvo prolongado anuncia entretanto a chegada do comboio. Um homem atravessa a linha e faz subir o garrafão de vinho, reeditando uma das imagens que preenchem o imaginário das viagens de comboio. A cena faz-nos recuar muitos anos, mas, vendo bem as coisas, não é assim tão insólita. O comboio no Douro parou no tempo.

As linhas do Tua e do Corgo estão fechadas para obras e estas foram adiadas por falta de dinheiro. Na linha do Douro, uma das mais belas do mundo, o transporte regular tem vindo a degradar-se. As composições são más, sem aquecimento no Inverno e ar condicionado no Verão. Na época alta, a CP aposta nos comboios a vapor, mas continua a ignorar o segmento dos comboios de luxo, que tem outro impacto económico. "Como é possível querer fazer do Douro um destino turístico prioritário e continuar a desinvestir no comboio?", interroga-se Maria do Céu Esteves, antiga deputada socialista na Assembleia Constituinte e proprietária da Quinta da Veiga (Sabrosa), também convertida ao turismo rural.

A velha promessa de levar novamente o comboio até Barca D" Alva (a linha termina no Pocinho) também tarda em sair do papel. Em 2007, num debate realizado no Porto, Ricardo Magalhães, o presidente da Estrutura de Missão do Douro, criada pelo Governo para ajudar a promover o desenvolvimento da região e fazer a articulação entre as entidades da administração central e local, renovou a aposta na reactivação daquele troço. A linha do Douro até Barca D"Alva não é só uma questão de transporte, "faz parte da paisagem classificada. Aquele traço naquela maravilhosa tela integra o património comum da humanidade. Pertence à nossa memória colectiva e, para nós, é indispensável", afirmou.

Três anos depois, a linha e as estações continuam cobertas de silvas. No lado espanhol, a recuperação tem sido mais célere. Para cumprir o sonho de voltar a unir o Porto a Salamanca por comboio, agora com fins turísticos, só falta que do lado português se cumpram as sucessivas promessas governamentais.

O investimento não seria assim tão transcendente. Com um pouco mais do que custou o novo Museu do Côa (cerca de 17 milhões de euros), é possível colocar o comboio de novo a apitar entre o Pocinho e Barca D" Alva. A reabertura deste troço poderia, de resto, levar mais turistas àquele museu e ao Parque Arqueológico do Côa.

Sophia Loren, uma convidada especial.
No Douro, o tempo que leva a passar dos planos e dos diagnósticos à obra continua a ser enorme. No caso do Museu do Douro, entre a decisão da Assembleia da República de o criar, em 1997, e a sua inauguração, passaram 12 anos. O Museu do Côa começou a ser falado em 1995, logo após o Governo de António Guterres ter decidido suspender a barragem da EDP, para salvaguardar as gravuras rupestres entretanto descobertas, e só foi aberto no final do passado mês de Julho.

O mais surpreendente é que só na véspera da inauguração o Governo decidiu que o museu e o parque arqueológico iriam ser geridos por uma fundação. Enquanto esta não for constituída, a gestão será feita pelo Igespar, a partir de Lisboa. Na impossibilidade de contratar funcionários, a vigilância das salas e a cobrança de bilhetes no museu continuarão a ser feitas pelos arqueólogos e guias do parque. E alguns dos espaços do museu, como o restaurante panorâmico, irão manter-se fechados por mais alguns meses, no mínimo.

Mais caricata ainda é a dissonância que existe entre o Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Douro e a entidade de Turismo do Douro, a quem cabe fazer a promoção da região. O plano incide sobre 24 municípios, mas o Turismo do Douro só pode actuar em 19. "Não há coerência, nem lógica", diz António Martinho.

Este responsável queixa-se também da falta de dinheiro para a promoção do Douro. "Precisamos de estruturar um plano de promoção e marketing, porque ainda há muita gente em Lisboa, por exemplo, que julga que o Douro fica a um dia de caminho e não a pouco mais de três horas. Mas não temos recursos financeiros para poder avançar."

A promoção da região tem sido feita de forma avulsa, com recurso aos fundos do ON-2 (Programa Operacional Regional do Norte). Desde bailes de vindimas com figuras do chamado jet-set a festivais de cinema, gastronomia e vinhos e eventos musicais, não têm faltado pretextos para investir no aumento da notoriedade da região. Uma das maiores apostas, a par da Bienal Internacional de Gravura, que está a decorrer em várias localidades da região até ao final de Setembro, foi a criação do festival de cinema Douro Film Harvest, que decorreu entre os dias 5 e 12 deste mês. O realizador Milos Forman, a actriz Andie MacDowell e o músico Kyle Eastwood (filho de Clint Eastwood) foram os convidados especiais da primeira edição, realizada no ano passado. Este ano, a convidada de honra foi a actriz Sophia Loren e o convidado especial foi o músico e compositor argentino Gustavo Santaolalla, autor das bandas sonoras dos filmes O Segredo de Brokeback Mountain e Babel, com as quais ganhou dois Óscares.

O Douro Film Harvest decorre em plena época de vindimas, que é o verdadeiro momento festivo da região e um dos seus maiores cartazes turísticos. Durante semanas, o Douro enche-se de forasteiros, atraídos pela possibilidade de participar no ritual da apanha de uvas e nas lagaradas de vinho do Porto.

Depois de colhidas as uvas e feito o vinho, o Douro vinhateiro entra num período de hibernação, seguindo o mesmo caminho das videiras. E com a actividade turística sucede o mesmo. Mal se aproxima o Inverno, os cruzeiros no rio são suspensos e durante alguns meses os hotéis e restaurantes tentam de tudo para minimizar a falta de clientes.

Mesmo com o número de visitantes a aumentar de ano para ano, o turismo no Douro ainda não ultrapassou o problema da sazonalidade. A quebra é tão acentuada no Inverno que, desde 2008, a Quinta da Romaneira decidiu fechar de Novembro a Março. Os prejuízos eram enormes.

No Algarve, seria impensável que o mais luxuoso hotel da região fechasse as portas no Inverno. Mas no Douro ainda acontece e isso diz bem dos desafios que a região tem pela frente. "O Douro tem potencialidades para ser uma grande região turística, mas também pode nunca o vir a ser", diz Maria do Céu Esteves.

Dirk Niepoort, um dos "Douro boys" que mais tem feito pela promoção dos vinhos do Douro dentro e fora do país e, indirectamente, pela imagem da região, é mais optimista. Reconhece que "o Inverno é um problema grave, que se resolverá com atracções e eventos específicos", mas não duvida de que "o Douro vai ser um grande destino turístico". "Não como o Algarve, espero, mas mais controlado e organizado e com menos gente. É uma região única, Património da Humanidade, e produz grandes tintos e brancos e o melhor vinho do mundo, que é o vinho do Porto. Só pode dar certo", enfatiza.

Pedro Garcias, aqui