sexta-feira, 10 de setembro de 2010

CONHECIMENTO AO ALCANCE DE TODOS

Há dois anos que, na vila de Mamarrosa, concelho de Oliveira do Bairro, o saber ocupa lugar de destaque.

O Instituto de Educação e Cidadania (IEC) é uma instituição sem fins lucrativos que, numa região com elevada taxa de abandono escolar, tem vindo a oferecer à população local e das freguesias limítrofes a oportunidade de acumularem saberes e competências nas mais diversas áreas do Conhecimento. Arsélio Pato de Carvalho, o homem por detrás da obra, acredita que a missão do IEC é, mais do que educar, mudar mentalidades.

O homem sonhou, a obra nasceu. Neste caso, o homem é Arsélio Pato de Carvalho, distinto cientista, e a obra é o Instituto de Educação e Cidadania, na Mamarrosa, Oliveira do Bairro. O IEC foi inaugurado a 26 de Agosto de 2008, há pouco mais de dois anos. Desde então, já proporcionou formação nas mais diversas áreas a mais de três centenas de pessoas, das mais variadas faixas etárias.

Mas como foi, afinal, que esta ideia foi criando raízes na mente do cientista? “Nasci aqui na Mamarrosa e cá vivi até aos 16 anos. Voltei 50 anos mais tarde para encontrar as mesmas pessoas, sentadas no mesmo café, a falarem das mesmas coisas. As crianças não vão à escola, ou se vão não aprendem muito, até porque o ensino é muito mau. Eu senti que nada tinha mudado e, curiosamente, parecia-me que ninguém pensava como eu, que todos estavam satisfeitos. Apercebi-me que fora das grandes cidades, sobretudo aqui nas aldeias, a informação não chega”.

E então, como que seguindo as várias etapas do método científico, e identificada que estava a hipótese, era tempo de aventar uma solução para o problema. “Decidi criar aqui uma estrutura que estivesse ligada às Universidades, aos Institutos. Mas que não fosse criada só porque sim, como um café, uma colectividade, um rancho folclórico, que podem ser muito bons porque preservam as tradições mas pecam porque não mudam mentalidades, e aqui é preciso mudar a mentalidade das pessoas”.

Um propósito ambicioso que, como qualquer tentativa de ruptura ou mudança, esbarra muitas vezes no cepticismo e desconfiança: “Tive que conceber um lugar diferente que, por ser diferente, é difícil de implantar, já que as pessoas não estão habituadas. Queremos que nos visitem, mas que mantenham as características do local, que é um espaço limpo, onde não se grita, e é essa mentalidade que queremos incutir, para que este seja um local de referência. Afinal, por que é que nada muda? Por que é que está sempre tudo igual? Porque ninguém faz nada de diferente, aceitamos as coisas como são, seja os miúdos a saltar por cima das cadeiras ou o professor a gritar com os miúdos”.

O dinamismo e a pro-actividade de Arsélio Pato de Carvalho já haviam sido provados anteriormente. Além de ter sido fundador do Centro de Neuro-ciências e Biologia Celular (CNC), estrutura ligada à Universidade de Coimbra e um dos mais prestigiados institutos de investigação científica de Portugal, esteve envolvido na implantação do Biocant Park, em Cantanhede. Aí percebeu que havia autarcas que queriam fazer coisas, estavam receptivos a este tipo de iniciativas pioneiras na área da Ciência e da Educação, mas que, muitas vezes, não sabiam como.

Saber sem preço
Insucesso é palavra que Pato de Carvalho baniu, há muito, do seu léxico. Depois do êxito das iniciativas CNC e Biocant, o desafio era levar cultura, educação, modernidade à Bairrada, concretamente à sua gente, e suprir, através do IEC, tão grande lacuna. A reputação do cientista pode ter ajudado a abrir algumas portas mas, só por si, não fez milagres: “Estas coisas têm que ser feitas por pessoas que tenham dado provas do seu valor, caso contrário os outros não acreditam. Eu não ganho nada com isto, nem as minhas despesas cobro, portanto a Câmara fez um excelente negócio. Não tenho dúvida que o meu percurso e o meu passado facilitaram o processo, mas há muitas pessoas como eu que podem também fazer e, no entanto, acomodam-se. Sempre tive um espírito comunitário e gosto de fazer estas coisas, dão-me prazer. Como já disse não ganho nada mas sou muito bem compensado, pela satisfação pessoal que me dá fazer isto voluntariamente”.

Este projecto conta com a colaboração e o apoio da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, que assim assume um papel responsável na área da Educação e contribui para a formação de uma sociedade mais informada e dinâmica, um dos intuitos do IEC desde a primeira hora: “O edifício pertence à autarquia. É ela que o mantém, paga a electricidade, o telefone, os funcionários. Nós somos uma associação sem fins lucrativos, e somos responsáveis por fazer funcionar os programas. Não utilizamos verbas da Câmara para os nossos programas. Somos nós os responsáveis por contratar os professores, sendo que a maioria colabora com o IEC sem exigir contrapartidas financeiras”.

Por ser uma “escola moderna” e querer chamar a si toda a comunidade, o Instituto disponibiliza diversos serviços de forma gratuita, nomeadamente o acesso às suas instalações, que compreendem uma biblioteca, espaço internet, dotado de vários computadores, sendo que por todo o edifício e áreas circunvizinhas está disponível internet sem fios, salas de estudo destinadas aos alunos das escolas da região, espaço de exposições e espaço café cultura, um local de encontro dos cidadãos onde estes podem assistir e participar em actividades programadas. Também as conferências e palestras organizadas pelo IEC estão abertas à população em geral e são de acesso livre.

Já os cursos ministrados neste espaço, não estando sujeitos ao pagamento de taxas de inscrição e afins, destinam-se, exclusivamente, a associados do Instituto de Educação e Cidadania com as quotas em dia. Estes associados, mediante o pagamento de uma anuidade, podem frequentar qualquer curso disponibilizado pelo IEC, num máximo de quatro por ano, sendo que os cursos e programas funcionam em ciclos trimestrais.

Da Ciência às Artes
A oferta formativa do IEC é vasta, abrangendo áreas como o ensino de Línguas, as Ciências Naturais, a Física e a Química, o Teatro e a Dança, a Pintura e a Informática. É feito para todos, sendo um projecto multidisciplinar em que se cruzam e interagem diversas áreas, a fim de abranger toda a população no enriquecimento dos seus saberes e conhecimentos, livre dos constrangimentos do ensino público. Uma sociedade mais educada e informada, em que a cultura e o conhecimento estão ao alcance de todos é, naturalmente, uma sociedade mais interventiva, moderna e evoluída.

Por querer que o cidadão participe neste projecto, o IEC compreende diversas Academias, grupos de pessoas com afinidades entre si, nomeadamente no que às áreas de interesse e do conhecimento diz respeito, que têm ocupações semelhantes. Estas academias são redes de cidadãos interventivos, disponíveis para as actividades do IEC, que procuram alcançar determinados objectivos, como criar uma comunidade informada, incentivar o gosto pelo conhecimento nos mais jovens e combater a exclusão.

Além do programa Novas Oportunidades, que permite elevar o nível de qualificação de base da população com mais de 18 anos que não concluiu o 9.º ano ou o ensino secundário, o Instituto disponibiliza cursos de informática e utilização do computador e da internet, Inglês básico e avançado, aprender a estudar, Português para estrangeiros, expressão dramática, danças de salão, ioga, pintura em tela, experiências laboratoriais para alunos e professores, educação para a cidadania, entre outros.

Contudo, a missão do IEC não se esgota na oferta de cursos ou nas palestras organizadas. O Centro de Informação e Comunicação do Instituto é uma estrutura que tem como função ajudar os cidadãos a resolver problemas do quotidiano, como a marcação de consultas médicas ou exames, a obtenção de informação útil sobre documentação como a carta de condução, o passaporte ou o cartão do cidadão, ou ajudar na procura de emprego e no acesso ao Ensino Superior. Se não sabe como preparar o seu currículo ou onde pagar os seus impostos, o IEC dá uma ajuda.

Para breve está previsto o Curso preparatório para ingresso no Ensino Superior, que pretende acompanhar alunos que se distinguem pelos seus resultados, a fim de assegurar o seu ingresso na Universidade. Mais uma vertente de uma escola que veio “agitar as águas” da educação e da cultura na região, fazendo a ponte entre as Universidades de Coimbra e de Aveiro, e servindo diversas freguesias, num total de mais de dez mil pessoas.

O balanço é positivo mas é sempre possível fazer mais: “Queremos dinamizar a sociedade civil. Estamos contentes com os resultados até agora mas o objectivo de mudar a comunidade e a mentalidade das pessoas só a longo prazo. Serão precisas algumas gerações”. Sob o patronato de Miguel Torga e Rómulo de Carvalho, dois homens da ciência e nomes incontornáveis da Literatura Portuguesa, e a direcção de Arsélio Pato de Carvalho, o Instituto de Educação e Cidadania segue o seu caminho, rumo a um futuro melhor.

Retirada daqui