sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ACÓRDÃO DO "PROCESSO CASA PIA" SEM DATA PARA ENTREGA AOS ADVOGADOS

Juíza diz que surgiu um problema durante a impressão e gravação do acórdão e quando este for resolvido comunicará aos interessados.

O Ministério da Justiça (MJ), que tutela a Direcção-Geral da Administração da Justiça e o Instituto das Tecnologias e Informatização Judiciária, ambos com competência na manutenção de equipamentos nos tribunais, escusou-se ontem a comentar os problemas informáticos que estarão a atrasar a entrega do acórdão da Casa Pia, que deveria ter sido disponibilizado às partes ontem ou anteontem. A juíza presidente do colectivo, Ana Peres, informou ontem, através do Conselho Superior da Magistratura, que "surgiu um problema informático aquando da impressão e gravação do acórdão para suporte digital", o que impediu que o documento fosse depositado na secretaria judicial como estava previsto.
 
O acórdão deveria estar disponível logo às 9h30, mas, como tal não foi possível, o tribunal informou que a entrega do documento estava prevista para as 13h30. Durante a tarde a informação era de que o acórdão ainda deveria ser depositado ontem, o que acabou por não acontecer. Um membro do gabinete do vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura (CSM) leu ao PÚBLICO a informação que a juíza prestou ao órgão, dando conta da existência de um problema informático que consistia "no aparecimento no texto de janelas indicativas de todas as alterações do mesmo, com referência a dias e horas".

A magistrada adianta que deu conta do problema aos advogados, precisando que o defensor de Carlos Cruz, Ricardo Sá Fernandes, verificou no seu gabinete "como saía a impressão do texto". "Estão a decorrer esforços no sentido de ser corrigido o problema em causa e quando a correcção operar serão avisados os senhores advogados", remata o texto, sem adiantar um novo prazo para a entrega. O membro do gabinete do vice-presidente do CSM referiu que o técnico informático que presta serviço nas varas criminais de Lisboa está há vários dias a apoiar a juíza Ana Peres, não sabendo se houve algum reforço de meios.

Logo de manhã, após o tribunal ter falhado pela segunda vez o prazo de entrega do documento, o PÚBLICO enviou um conjunto de perguntas ao MJ, onde questionava a tutela sobre se o tribunal tinha solicitado algum reforço de meios humanos e materiais à Direcção-Geral da Administração da Justiça, por causa das cópias do acórdão, que terá cerca de duas mil páginas. Tentava também saber se tinha sido reportado superiormente algum problema informático e como é que o ministério tinha respondido ao eventual pedido de ajuda. Mas, apesar de muitas insistências, as respostas não chegaram. Ao início da noite, uma assessora do MJ admitiu que o ministério não pretendia comentar este caso.

Inicialmente a entrega do acórdão esteve prevista para anteontem. Falhado o primeiro prazo foi emitido anteontem ao fim da tarde um comunicado pelo CSM, onde se assegurava que o documento seria depositado ontem "logo pela manhã". "Só então o tribunal disporá dos suportes informáticos e em papel para entrega a todos os intervenientes processuais", referia a nota. A juíza presidente garantia, contudo, já ter o "acórdão pronto para depósito" e justificava o atraso com a falta das cópias. "Este entendimento deveu-se à circunstância de, começando a correr o prazo para recurso com o depósito do acórdão, se garantir o efectivo exercício desse prazo com tal entrega", lia-se no comunicado.

Há uma semana, a juíza Ana Peres informou que o acórdão estaria acessível na quarta-feira seguinte, após ter resumido a decisão do colectivo e anunciado a condenação de seis arguidos e a absolvição da única arguida. Esta foi a terceira data marcada para a leitura da sentença, adiada duas vezes. Inicialmente a decisão estava prevista para 9 de Julho, mas foi depois marcada para 5 de Agosto. Acabou, contudo, por ser lida a 3 de Setembro, faz hoje uma semana.

"Tortura", diz Diniz
A indignação relativa ao atraso da entrega do acórdão prolongou-se ontem à tarde na sessão do lançamento do livro de Hugo Marçal, intitulado Sabão Azul e Branco. "É um caso inédito na justiça portuguesa", disse ao PÚBLICO o advogado João Nabais, o primeiro que assegurou a defesa de Hugo Marçal. "Agora todas as dúvidas são legítimas", disse.

Antes e depois da sessão pública do lançamento do livro, voltaram a manifestar junto dos jornalistas a sua estranheza e indignação pelo facto de, uma vez mais, o acórdão não ter sido disponibilizado. Sá Fernandes confirmou aos jornalistas que o atraso não traz "nenhum prejuízo" no que diz respeito aos prazos para interpor os recursos. Mas frisou a "ansiedade" que a situação tem provocado nos condenados e também nos seus advogados. "Quem é condenado a sete anos de cadeia tem o direito de saber as razões", salientou, referindo-se ao caso de Carlos Cruz.

Marcaram também presença no lançamento, o ex-provedor da Casa Pia Manuel Abrantes e o médico Ferreira Diniz, que manifestou também a sua indignação pelos adiamentos da entrega do acordão. "Pensava que a tortura era proibida em Portugal... É uma tortura. Não há direito de declarar ao mundo inteiro, através das televisões, as condenações dos arguidos e obrigarem estes a não saberem o porquê de terem sido condenados", disse. O próprio Hugo Marçal pronunciou-se quanto a esta questão antes do início do lançamento do seu livro, afirmando estar "espantado" com este sistema.

Mariana Oliveira e Paula Torres de Carvalho, aqui

Conheça aqui as penas aplicadas a cada um dos arguídos.