O pai-nosso foi censurado nos cinemas do Reino Unido.
O que se passa nesta Europa, tão tolerante para com todos, mas que não
suporta as manifestações da religião fundadora da sua cultura?
1. O anúncio é simples: um conjunto de pessoas de diferentes
profissões, de um agricultor a um polícia, passando por estudantes e sem
deixar de fora um refugiado, dizem, cada um à vez, uma frase do
pai-nosso, até ao ámen que fecha a oração mais emblemática do
cristianismo. Num último plano surge no ecrã a frase “A Oração é para
todos”. O filme dura 60 segundos. (Se puder, veja: “Justpray oficial
video”, no YouTube.)
2. É assim a publicidade ao novo site de oração da Igreja de
Inglaterra, destinada a passar no cinema, nos minutos que antecedem o
novo “Guerra das Estrelas”. Contudo, as três cadeias que controlam 80%
das salas recusaram-se a passá-la, por consideraram que “podia ser
perturbador ou tido como ofensivo por algumas pessoas na assistência”. O
que, a ser verdade, tornava ainda mais pertinente que recitassem o
“Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem
ofendido”.
3. A reacção da Igreja de Inglaterra não se fez esperar: “Seria
apenas disparatado, se não se tratasse de uma grave ofensa à liberdade
de expressão”, disse o arcebispo de Cantuária, secundado pela opinião
pública de todos os quadrantes. Pressionada, a Digital Cinema Media
respondeu que quando o assunto é política ou religião, a política da
casa é a neutralidade, porque só assim garantem uma igualdade de
tratamento para todos. E em jeito de desculpa acrescentaram que “o
cinema é para os clientes se entreterem, sem se terem de preocupar com
coisas que são controversas” (sic).
4. As vozes de protesto chegam de todos os quadrantes, ao menos isso.
O que se passa nesta Europa tão tolerante para com todos, mas que não
suporta as manifestações da religião fundadora da sua cultura? Mesmo sob
a forma de um anúncio pago?
5. Causa alarme este constante renegar das nossas raízes, o culto da
ignorância daquelas que são as traves-mestras sobre as quais se foi
construindo o pensamento europeu, a grelha de valores que nos define.
Mas quando o politicamente correcto chega ao ponto de se ter medo de que
um pai-nosso, exibido entre um anúncio da coca-cola e outro de
hambúrgueres, possa “ofender” alguém, e amedronta uma reacção de
protesto, estamos a aceitar um processo de amnésia colectiva que deve
repugnar a todos, crentes ou não crentes. Porque, afinal, corresponde a
renegar a nossa história e o nosso passado, deixando em seu lugar um
vazio, um sentimento de orfandade, mesmo que mais ou menos inconsciente.
Depois admiramo-nos que os mais novos busquem a sua identidade em
fanatismos... Afinal, nós não temos orgulho em quem somos e escondemos
aquilo em que acreditamos por medo de perturbar alguém (como se
perturbar fosse necessariamente mau...), imaginando que o respeito pelas
convicções dos outros, passa por lavar as nossas com lixívia!
6. O medo do politicamente correcto corre ainda o risco de nos
reduzir à ignorância: sabemos cada vez menos sobre a essência da nossa
cultura judaico-cristã, o que faz falta nem que seja para a renegar com
consciência do que fazemos. Sem as “chaves” cristãs, não conseguimos
sequer “interpretar” o que está à nossa volta – as igrejas e os
conventos que são o nosso património, os quadros nos nossos museus (nem
quando pagamos cada píxel, como fazemos, e bem, com a “Adoração dos
Magos”), os textos nos livros –, nem entender o que nos tornou a
sociedade multicultural que felizmente somos.
7. Objectivamente, os donos dos cinemas não deviam aceitar exibir a
“Guerra das Estrelas”. No censo de 2001, no Reino Unido, no espaço para
colocar a religião, 396 mil pessoas indicaram que eram “jedi”, número
que desceu para 177 mil no de 2011. Espera-se que com este “Despertar da
Força”, a “força” volte a estar com eles e connosco. Afinal, também no
pai-nosso se reza “Livrai-nos do mal”. É caso para dizer “ámen”.
Isabel Stilwell, aqui