Chamemos-lhe pequeno António, para não usar o seu verdadeiro nome.
O
protagonista não é mais o rapazola que era então. Hoje é um homem feito,
e a viagem à Lua é apenas uma memória distante que, com o tempo, passou
de dolorosa a cómica.
Por outro lado, nomeá-lo de pequeno António abre
todo um conjunto de associações que torna a narrativa mais metafórica.
Parabólica, mesmo. Vamos a ela.
A ideia do pequeno António era ir à
Lua. Era um dos sonhos da época. Hoje serão poucas as crianças que
sonham ir à Lua, mas naquele tempo de apenas dois canais de TV, e quando
o progresso científico e tecnológico não era incontinente como hoje - a
inovação, a invenção e os gadgets são banalidades massificadas e
partilhadas todos os dias a todas as horas -, naquele tempo, dizia, a
ida à Lua era o píncaro do progresso da humanidade. Era uma aventura com
fatos espaciais, foguetões, cápsulas, módulos lunares, aterragens e
amaragens e gravidade zero. Não havia como não sonhar em ir à Lua. Na
época, acreditávamos em viagens espaciais e que as faríamos ainda no
nosso tempo.
Ora, ao contrário de quase todos nós, que só
sonhávamos, o pequeno António, sendo de Alhandra, terra de gente
resoluta e sem medo, resolveu por mãos à obra. Para o pequeno António a
imaginação precedia a ação: imaginar-se na Lua era ir à Lua.
O
dinheiro para financiar a expedição veio diretamente das subvenções
natalícias e aniversariantes. Durante mais de um ano, o pequeno António
juntou-o para autofinanciar o sonho. Quando, depois de mais um Natal,
finalmente conseguiu o pecúlio, dirigiu-se ao vendedor de foguetes e,
com a desculpa de que era para a passagem de ano, comprou dois. O
vendedor de foguetes não fez perguntas nem deu conselhos. Limitou-se a
entregar-lhe os dois foguetes.
O kit foi todo pensado e desenhado
pelo pequeno António e consistia, basicamente, em dois potentes foguetes
de doze bombas presos ao tronco com fita isoladora de eletricista.
Feito
o kit, o pequeno António escolheu o seu Cabo Canaveral. Partiria para a
Lua do cimo de uma azinheira, que ficava no quintal das traseiras de
sua casa. Fá-lo-ia ao fim da tarde, quando a Lua se enquadrasse numa
zona pelada da copa; um buraco que o pequeno António tinha podado,
clandestinamente, durante as últimas semanas.
Quando finalmente
chegou o dia de levantar voo em direção à Lua, o pequeno António cintou
vigorosamente os foguetes às costas com a fita de eletricista e subiu ao
alto da azinheira. Lá do alto verificou o equipamento e, em contagem
decrescente, esperou que a Lua se enquadrasse com o buraco da copa. Cá
em baixo, o seu irmão mais novo assistia.
Quando a Lua chegou
finalmente à posição certa, o pequeno António disse então as palavras
que o tornaram imortal em Alhandra, "Diz à mãe que fui à Lua", e fez o
que tinha a fazer. Apontou, acionou a espoleta e bum.
Claro que o
fim da história é previsível. Todos sabemos que o pequeno António nunca
chegou à Lua, que acabou queimado, no chão, com uns quantos galos na
cabeça, costelas partidas. É o que acontece quando se metem dois
foguetes cheios de bombas às costas e se quer ir à Lua.
Mas não se
menorize, antes se aplauda o esforço e o engenho do pequeno António
que, ainda assim, tentou a Lua e levantou os pés do chão. Que é fazer
mais do que fizeram quase todos os da sua geração. A moral da história é
confuciana.
Pedro Bidarra, aqui