sábado, 7 de novembro de 2015

DIZ À MÃE QUE EU VOU À LUA

Chamemos-lhe pequeno António, para não usar o seu verdadeiro nome

O protagonista não é mais o rapazola que era então. Hoje é um homem feito, e a viagem à Lua é apenas uma memória distante que, com o tempo, passou de dolorosa a cómica. 

Por outro lado, nomeá-lo de pequeno António abre todo um conjunto de associações que torna a narrativa mais metafórica. Parabólica, mesmo. Vamos a ela.

A coisa passou-se em Alhandra, na velha Alhandra toureira onde se vê e vive o rio, a Alhandra das Viagens na Minha Terra; também ela viajada pelos tempos que entretanto correram. Hoje, a velha Alhandra tomou tonalidades cinza e passou de toureira a Alhandra cimenteira; terra onde se respira, expelido pela fábrica dos brasileiros, o finíssimo pó do investimento estrangeiro. Enfim, a história passa-se em Portugal.

A ideia do pequeno António era ir à Lua. Era um dos sonhos da época. Hoje serão poucas as crianças que sonham ir à Lua, mas naquele tempo de apenas dois canais de TV, e quando o progresso científico e tecnológico não era incontinente como hoje - a inovação, a invenção e os gadgets são banalidades massificadas e partilhadas todos os dias a todas as horas -, naquele tempo, dizia, a ida à Lua era o píncaro do progresso da humanidade. Era uma aventura com fatos espaciais, foguetões, cápsulas, módulos lunares, aterragens e amaragens e gravidade zero. Não havia como não sonhar em ir à Lua. Na época, acreditávamos em viagens espaciais e que as faríamos ainda no nosso tempo.

Ora, ao contrário de quase todos nós, que só sonhávamos, o pequeno António, sendo de Alhandra, terra de gente resoluta e sem medo, resolveu por mãos à obra. Para o pequeno António a imaginação precedia a ação: imaginar-se na Lua era ir à Lua.

O dinheiro para financiar a expedição veio diretamente das subvenções natalícias e aniversariantes. Durante mais de um ano, o pequeno António juntou-o para autofinanciar o sonho. Quando, depois de mais um Natal, finalmente conseguiu o pecúlio, dirigiu-se ao vendedor de foguetes e, com a desculpa de que era para a passagem de ano, comprou dois. O vendedor de foguetes não fez perguntas nem deu conselhos. Limitou-se a entregar-lhe os dois foguetes.

O kit foi todo pensado e desenhado pelo pequeno António e consistia, basicamente, em dois potentes foguetes de doze bombas presos ao tronco com fita isoladora de eletricista.

Feito o kit, o pequeno António escolheu o seu Cabo Canaveral. Partiria para a Lua do cimo de uma azinheira, que ficava no quintal das traseiras de sua casa. Fá-lo-ia ao fim da tarde, quando a Lua se enquadrasse numa zona pelada da copa; um buraco que o pequeno António tinha podado, clandestinamente, durante as últimas semanas.

Quando finalmente chegou o dia de levantar voo em direção à Lua, o pequeno António cintou vigorosamente os foguetes às costas com a fita de eletricista e subiu ao alto da azinheira. Lá do alto verificou o equipamento e, em contagem decrescente, esperou que a Lua se enquadrasse com o buraco da copa. Cá em baixo, o seu irmão mais novo assistia.

Quando a Lua chegou finalmente à posição certa, o pequeno António disse então as palavras que o tornaram imortal em Alhandra, "Diz à mãe que fui à Lua", e fez o que tinha a fazer. Apontou, acionou a espoleta e bum.

Claro que o fim da história é previsível. Todos sabemos que o pequeno António nunca chegou à Lua, que acabou queimado, no chão, com uns quantos galos na cabeça, costelas partidas. É o que acontece quando se metem dois foguetes cheios de bombas às costas e se quer ir à Lua.

Mas não se menorize, antes se aplauda o esforço e o engenho do pequeno António que, ainda assim, tentou a Lua e levantou os pés do chão. Que é fazer mais do que fizeram quase todos os da sua geração. A moral da história é confuciana.

Pedro Bidarra, aqui