As artimanhas criadas pelos burlões são por vezes tão ardilosas e sofisticadas que se tornam mitos urbanos.
As suas curiosas carreiras já inspiraram blockbusters
de Hollywood, como por exemplo “Apanha-me se Puderes”, filme estrelado
por Leonardo DiCaprio. A película era inspirada em Frank Abnegale Jr., o
célebre vigarista norte-americano que, além de fraudes financeiras,
fez-se passar por piloto, médico, advogado e professor na década de 60.
Portugal também tem um histórico considerável de peritos em falcatruas.
De Alves dos Reis à Dona Branca, o top cinco dos burlões fica completo
com a inclusão esta semana de Rui Pires Salvador, presidente da empresa
LibertaGia, acusada de desviar mais de mil milhões de euros através do
esquema da pirâmide. Em Espanha é acusado de ter lesado três milhões de
pessoas.Rui Pires Salvador
Rui Pires Salvador foi condutor de autocarros e empregado de mesa,
antes de se tornar presidente da empresa LibertaGia. Dizia que queria
acabar com a pobreza, mas terá montado um esquema em pirâmide, à
semelhança do de Dona Branca, que poderá ter afectado cerca de 3 milhões
de pessoas em 26 países diferentes. O embrião do estratagema terá
surgido em 2003, no Parque das Nações, Lisboa, onde Rui Salvador deu uma
palestra para confirmar a veracidade do seu projecto.
Na sessão, garantia que era possível ganhar 70€ diários com um
negócio de publicidade online, que teria um retorno anual de 350%. Uma
promessa de dinheiro fácil. A partir daí, a expansão foi imediata,
angariando mais de 1,5 milhões de investidores dos mais variados países,
em pouco mais de dois anos. O núcleo do esquema estaria situado em
Espanha, país onde terá conseguido ludibriar 250 mil pessoas. O sucesso
do plano começou a decair em 2014, quando os investidores começaram a
não receber os pagamentos devidos. Recentemente, o tribunal de Granada
obteve os documentos divulgados pelo “El País”, que mostram que a
LibertaGia está com 134 milhões de dívidas acumuladas.
Em Portugal, as queixas sucedem-se.“ Tivemos alguns contactos, num
volume não muito elevado, o que não é surpreendente nos esquemas em
pirâmide”, disse à TVI24 e à Lusa o analista financeiro da Deco, André
Gouveia, explicando que muitas pessoas acabam por não denunciar a
situação “por vergonha ou porque têm esperança de recuperar o seu
dinheiro”. Rui Pires Salvador está em parte incerta, os telefones da
empresa estão desligados e a investigação continua, mas só em Espanha. O
processo corre na 5.ª Vara do Tribunal de Granada e foi aberto em
Março, na sequência de uma queixa da Lemat – uma sociedade de advogados.
Por cá, a Polícia Judiciária também já está a investigar o caso.
Considerado por muitos como o maior burlão português da história, Artur Virgílio Alves dos Reis, foi a “mastermind” por detrás da maior falsificação de notas de banco de sempre.
Filho
de um cangalheiro, começou por forjar um diploma de Oxford, de uma
escola politécnica de engenharia que nem sequer existia – a Polytechnic
School of Engineering. – que atestava que era engenheiro. Depois, viajou
para África onde adquiriu grande parte das acções da empresa de
caminhos-de-ferro transafricanos de Angola – com um cheque sem
cobertura.
Em pouco tempo fez fortuna, ganhou prestígio e voltou a Portugal em
1922 para comprar uma empresa de revenda de automóveis. Dois anos
depois, foi preso no Porto por desfalque. Um mero contratempo para Alves
Reis.
Na cadeia, e durante os 50 dias que esteve preso, concebe o seu mais
ousado plano com a ajuda de alguns cúmplices. Já em liberdade, cria um
contrato fictício em nome do Banco de Portugal e que lhe permitiu
conseguir notas de 500 escudos falsas, mas impressas pela empresa que
imprimia as notas de escudos na época – a empresa britânica Waterlow
& Sons Limited – o que conferia ao dinheiro uma grande
autenticidade. Resultado: uma emissão de 200 mil notas de 500 escudos,
que são colocadas em circulação com a efígie de Vasco da Gama.
A sua capacidade financeira permitiu-lhe fundar o Banco Angola e
Metrópole, e de quase controlar a autoridade monetária portuguesa. Não
fosse a ávida observação do jornal “O Século” a desvendar a fraude e
ninguém teria dado por nada. No seu julgamento, no qual foi condenado a
25 anos de prisão, Alves dos Reis reconheceu o seu esquema de
falsificação, descrevendo a sua actuação como patriótica e guiada para o
desenvolvimento de Angola. Morreu na miséria em 1955.
A cândida imagem de Maria Branca dos Santos catapultou-a para o
imaginário popular após ter tido destaque de capa no extinto semanário
“Tal & Qual”. Dona Branca era “um autêntico banco” em pessoa. No seu
escritório, no n.º 20 da rua
Abade Faria em Lisboa, recolhia os investimentos dos seus clientes, assegurando retorno de 10% em juros.
O esquema, descoberto mais tarde, era semelhante ao de Charles Ponzi –
pioneiro daquele que seria baptizado como esquema de Ponzi. Num dia o
cliente x depositava 20 contos e no dia seguinte o cliente y outros 20
contos.
Do depósito do cliente y, 2 contos iam para o cliente x, que obtinha
de imediato os seus 10% de juros mensais. Na sua lista de depositantes
encontravam-se políticos e figuras do cinema e da televisão nacional. Em
1983 o espírito de beneficência de Dona Branca, que assegurava só
querer ajudar os pobres, começou a cheirar a esturro e o ministro das
Finanças, Ernâni Lopes pediu à Inspecção de Crédito do Banco de Portugal
que investigasse. Em Setembro de 1984, as suspeitas confirmaram-se: os
depósitos findaram e quem quisesse levantar as suas economias iria
descobrir que a conta estava “careca”. O “T&Q” abria com a manchete
“Branca…Rota”. Foi detida a 4 de Outubro de 1984 e faleceu oito anos
depois.
Vele e Azevedo
Este é um nome de má memória – principalmente para os benfiquistas.
Licenciado em Direito, tornou-se advogado na década de 80, sendo expulso
da Ordem em 2013 por falta de aptidão moral.
Em
Outubro de 1997 Vale e Azevedo foi eleito presidente do Benfica. Após
ter sido acusado de se ter apropriado de 1 milhão de contos (que hoje
seriam cinco milhões de euros), da transferência para o Alverca do
guarda-redes russo Sergey Ovchinnikov, foi condenado a 6 anos de prisão.
Com a quantia desviada Vale e Azevedo teria comprado um iate.
Em 2004 é colocado em liberdade durante 14 segundos, após os quais
volta a ser vítima de novo mandato de detenção. No ano seguinte é
acusado de burla a Pedro Dantas da Cunha, com quem tinha celebrado um
acordo de venda de terrenos em 1997. O Ministério Público deliberou que
Vale e Azevedo se aproveitou da relação de confiança que mantinha com a
vítima, falsificando “vários documentos, designadamente procurações por
si minutadas” para assim obter, à revelia de Dantas da Cunha, poderes
para hipotecar um imóvel localizado na Praça Francisco Sá Carneiro, em
Lisboa. A 2 de Julho de 2013, foi condenado a 10 anos de prisão efectiva
pelo desvio de mais de 4 milhões de euros dos cofres do Benfica.
Alberto Figueiredo
Em 1980 fundou a Afinsa, um grupo empresarial que operava no mercado
da arte, filatelia, numismática e antiguidades. No final de 2004 a
Afinsa possuía 100 escritórios em vários países europeus, asiáticos e
nos Estados Unidos, 2600 empregados e cerca de 143 mil clientes.
Dois
anos depois a Afinsa e o Forum Filatélico foram acusados de fraude
fiscal, branqueamento de capitais e insolvência envolvendo os
investimentos de mais de 350 mil clientes privados em Espanha. A
Procuradoria Anti-Corrupção espanhola avaliou a alegada burla da Afinsa
em 1 100 milhões de euros, uma das maiores nos últimos 25 anos.
A companhia foi acusada de operar um esquema Ponzi usando o dinheiro
dos novos investidores para pagar os lucros dos antigos e de empolar o
valor dos seus activos filatélicos. Mais tarde ficou a saber-se que
foram lesados quase 200 mil clientes e que o buraco financeiro
ultrapassava os 1823 milhões de euros. O mecanismo usado pela empresa
para burlar os seus clientes era o seguinte. Depois de comprar
secretamente em Junho de 2003 o catálogo Brookman por 650 000 dólares,
que apresentava como “prestigioso e independente”, a Afinsa decidia que
material devia ser catalogado assim como o seu valor. Segundo a
Procuradoria Anti-Corrupção espanhola a empresa comprava os selos ao
grupo Escala, na qual detinha uma participação directa e indirecta
superior a 67%, a um preço de 10 a 15% do valor que logo de seguida
fixavam no catálogo Brookman o preço final de venda dos selos aos
clientes.