quarta-feira, 29 de julho de 2015

OS PIGS QUE COMAM AS BOLOTAS

Enquanto os bancos da Grécia reabrem e a economia começa finalmente a sentir uma brisa de oxigénio nos pulmões (e os juros em falta são pagos em doses cavalares aos credores); enquanto as ilhas gregas vão sendo adquiridas a um bom ritmo pelas estrelas de Hollywood, a França aproveita a janela mediática para centrar o debate pós-crise europeia.

Como? Sugerindo a criação de um diretório formado pelos seis países fundadores da então Comunidade Económica Europeia. Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e França. No fundo, um regresso à ideia recalcada de uma Europa a várias velocidades. Ou a duas velocidades. A de Paris e a de Berlim. Porque é disso que se trata. É uma exclusividade dentro da exclusividade.

François Hollande, o presidente-socialista que subiu às nuvens com o ascendente conquistado nas negociações com Atenas, fez o esboço, Manuel Valls, o primeiro-ministro-socialista, detalhou a arquitetura do projeto: a ideia é formar um Governo de "vanguarda" (não confundir com vanguardista) na zona euro, com um orçamento e parlamentos próprios. Não ficou claro, mas presume-se que esta minoria teria poderes para decidir sobre o destino da maioria. O novo Parlamento, uma espécie de segunda câmara de um Parlamento Europeu que serve para muito pouco, teria a missão, segundo Hollande, de exercer o "controlo democrático" do novo executivo transnacional. Dele fariam parte parlamentares dos países envolvidos, vindos desta assembleia europeia de Estrasburgo ou das assembleias nacionais. "Bruxelas" seria, assim, um monstro com três cabeças: a União Europeia, formada por 28 países, a zona euro, formada por 19 países, e o clube da vanguarda - a cabeça-mãe - composta por seis países. Não está mal.

À vista desarmada, até parece uma medida de longo alcance, porque permitiria ter um motor europeu alimentado pelas economias mais pujantes, sem países emergentes à mistura, a puxar pelo barco. Se a Europa fosse a UEFA, estes seis jogariam a Liga dos Campeões e os PIGS (acrónimo pejorativo que designa Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) ficariam relegados para a Liga Europa. Cada um no seu campeonato. Os PIGS comem as bolotas, o clube dos seis fica com a carne suculenta.

Mas o sonho francês é apenas perigoso. Porque mina, na base, a ideia de um projeto comum, com ou sem euro, e, sobretudo, porque torna evidente que os líderes europeus não aprenderam nada com a experiência grega. Foi esta a lição que a França tirou daquele que foi, porventura, o período mais tenebroso da Europa do pós-guerra? A de que é preciso dividir ainda mais para garantir a sobrevivência dos mais fortes? Nada como a real politik para enregelar os corações dos que tiveram, e ainda têm, a ingenuidade de pensar que, na Europa, olhamos uns pelos outros. Nem pouco mais ou menos.

Pedro Ivo Carvalho, aqui