Enquanto os bancos da Grécia reabrem e a
economia começa finalmente a sentir uma brisa de oxigénio nos pulmões (e
os juros em falta são pagos em doses cavalares aos credores); enquanto
as ilhas gregas vão sendo adquiridas a um bom ritmo pelas estrelas de
Hollywood, a França aproveita a janela mediática para centrar o debate
pós-crise europeia.
Como? Sugerindo a criação de um diretório formado
pelos seis países fundadores da então Comunidade Económica Europeia.
Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e França. No fundo, um
regresso à ideia recalcada de uma Europa a várias velocidades. Ou a duas
velocidades. A de Paris e a de Berlim. Porque é disso que se trata. É
uma exclusividade dentro da exclusividade.
François Hollande, o
presidente-socialista que subiu às nuvens com o ascendente conquistado
nas negociações com Atenas, fez o esboço, Manuel Valls, o
primeiro-ministro-socialista, detalhou a arquitetura do projeto: a ideia
é formar um Governo de "vanguarda" (não confundir com vanguardista) na
zona euro, com um orçamento e parlamentos próprios. Não ficou claro, mas
presume-se que esta minoria teria poderes para decidir sobre o destino
da maioria. O novo Parlamento, uma espécie de segunda câmara de um
Parlamento Europeu que serve para muito pouco, teria a missão, segundo
Hollande, de exercer o "controlo democrático" do novo executivo
transnacional. Dele fariam parte parlamentares dos países envolvidos,
vindos desta assembleia europeia de Estrasburgo ou das assembleias
nacionais. "Bruxelas" seria, assim, um monstro com três cabeças: a União
Europeia, formada por 28 países, a zona euro, formada por 19 países, e o
clube da vanguarda - a cabeça-mãe - composta por seis países. Não está
mal.
À vista desarmada, até parece uma medida de longo alcance,
porque permitiria ter um motor europeu alimentado pelas economias mais
pujantes, sem países emergentes à mistura, a puxar pelo barco. Se a
Europa fosse a UEFA, estes seis jogariam a Liga dos Campeões e os PIGS
(acrónimo pejorativo que designa Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha)
ficariam relegados para a Liga Europa. Cada um no seu campeonato. Os
PIGS comem as bolotas, o clube dos seis fica com a carne suculenta.
Mas
o sonho francês é apenas perigoso. Porque mina, na base, a ideia de um
projeto comum, com ou sem euro, e, sobretudo, porque torna evidente que
os líderes europeus não aprenderam nada com a experiência grega. Foi
esta a lição que a França tirou daquele que foi, porventura, o período
mais tenebroso da Europa do pós-guerra? A de que é preciso dividir ainda
mais para garantir a sobrevivência dos mais fortes? Nada como a real
politik para enregelar os corações dos que tiveram, e ainda têm, a
ingenuidade de pensar que, na Europa, olhamos uns pelos outros. Nem
pouco mais ou menos.
Pedro Ivo Carvalho, aqui