quinta-feira, 9 de julho de 2015

HÁ SEGREDO NA JUSTIÇA?

A justiça segue tempos e procedimentos nem sempre de entendimento fácil

Para determinados casos, criou-se um segredo processual que visa proteger a investigação e salvaguardar o bom nome de pessoas que ainda não foram julgadas, impedindo-se (teoricamente) qualquer publicitação das diligências feitas. Acontece que, em Portugal, as fugas de informação tornaram-se comuns, desfazendo-se nos palcos mediáticos um segredo que apenas existe em forma de lei. Perante isto, dever-se-ia exigir explicações sérias a quem é responsável pela investigação criminal.

Um cidadão não pode ver a sua reputação colocada em causa pelos jornalistas, sem que para tal haja uma fundamentação irrefutável e comprovada pelos tribunais. Para proteger o bom funcionamento das instituições, é também preciso resguardá-las, em determinadas circunstâncias, do olhar público que poderá tolher a necessária liberdade de movimentos em direção a uma verdade que se pretende apurar. É neste contexto que nasce a necessidade do segredo de justiça cuja formulação, em Portugal, tem suscitado uma crescente polémica. Porque as fugas de informação são frequentes e canalizadas apenas para determinado órgão de Comunicação Social. E porque ninguém tem coragem de equilibrar um fluxo de informação impossível de parar. Na última reformulação do Código de Processo Penal, a instituição do segredo de justiça tornou-se uma exceção que, no entanto, é (quase) sempre aplicada aos casos mediáticos que indiscutivelmente reúnem importância noticiosa. E eis como o segredo de justiça se tornou um dever que os jornalistas têm muitas vezes o direito de violar.

Todos concordarão que o chamado "caso Marquês", que envolve o ex-primeiro ministro José Sócrates, tem um indiscutível interesse público. Precisamos de mais ângulos jornalísticos e de mais contextualização fundamentada sobre aquilo que aconteceu. Todavia, se os jornalistas cumprissem à risca o que o Código de Processo Penal fixa relativamente ao segredo de justiça, nada escreveriam sobre este assunto. Fará isto sentido? Não! E a justiça tem de perceber que não pode permanecer muda perante situações como esta. É preciso que os atores judiciais desenvolvam rapidamente estratégias de comunicação direcionadas para todos os jornalistas que procuram informação, parando, de uma vez por todas, de fomentar canais direcionados para certos meios de Comunicação Social cujas "cachas" servem a maior parte das vezes interesses das fontes não identificadas que, a coberto do sigilo, colocam em público aquilo que a lei quer manter em segredo.

Sejamos claros, a informação que chega às redações é sempre oriunda daqueles que têm acesso ao processo. Portanto, um dos meios para neutralizar as violações é restringir o número de pessoas conhecedoras da investigação e, por outro lado, acelerar o mais possível o que se procura saber. Se paralelamente a isto, se desenvolvesse uma estratégia de comunicação com os média, as fugas de informação teriam certamente dificuldade em fazer caminho. Resta saber se as habituais fontes não identificadas que colocam certos jornalistas na pista certa daquilo que importa saber não se oporiam com músculo a estas novas orientações.

No meu livro "Jornalista: profissão ameaçada", perguntei aos jornalistas que mediatizam a justiça se o segredo de justiça deveria ser reformulado. Não há uma coincidência nas respostas, mas todos concordam que a atual formulação acompanhada da habitual prática não se adequam ao trabalho jornalístico. "O Segredo tornou-se na melhor arma de uma justiça que não sabe - nem quer saber - comunicar", escreveu uma jornalista num depoimento que é acompanhado por vários dos seus colegas.

Acontece que a justiça não pode não querer comunicar, nem pode ser cega perante fugas de informação com origem no interior da própria investigação. Uma justiça que apenas fala com alguns e que faz de conta que o segredo de justiça não é muitas vezes colocado em causa a partir do seu próprio campo corre o risco de se afundar num abismo sem retorno. Faltará pouco para isso acontecer.

Felisbela Lopes, aqui