O mundo está perdido
Anda tudo envolvido
Na luta pelo poder.
Mas para quê tanta guerra
Se sete palmos de terra
Chegam depois de morrer?
Manuel Augusto Diogo
Andamos todos assarapantados!
Nestas últimas semanas, desde
que acordamos até que voltamos a deitar-nos, só ouvimos falar na ‘Troika’
(Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) e nas
medidas por esta impostas para a celebração do acordo de concessão de
assistência financeira ao nosso país.
Apesar de ser de leitura obrigatória para qualquer português que se preocupe minimamente com o que o rodeia e com o que vai acontecer nos próximos anos no seu país, o governo, só depois de muita pressão por parte da comunicação social, avançou para uma tradução oficial do referido documento, ressalvando desde logo, quanto às divergências entre a versão portuguesa e a inglesa, que a que prevalece é esta última.
E, assim, perguntamo-nos quantos
portugueses serão capazes de ‘descodificar’ o memorando escrito em ‘Inglês
cifrado’, que alguns apelidam de ‘técnico’ mas cuja interpretação é pouco menos
que inatingível, uma vez que até hoje nem os seus próprios subscritores têm a
certeza da tradução efectuada, não obstante as medidas contidas no documento
original terem de constar dos próximos orçamentos de Estado, cumprindo as
profundas e abrangentes instruções da ‘Troika’.
No entanto, apesar disso,
saltaram já para a opinião pública algumas das exigências impostas pela dita ‘Troika’
relativamente ao sector empresarial do Estado, entre as quais a aceleração do
programa de privatizações sendo certo que, face à crise internacional em curso,
não é nada optimista a perspectiva de realização destes negócios de alienação
de grandes empresas, sendo mais que certo que aqueles que vierem a ser
consumados serão, naturalmente, maus negócios.
Ora, no âmbito desse programa, o
governo comprometeu-se a identificar duas grandes empresas para serem
privatizadas até ao final de 2012, parecendo claro que entre estas se encontra
a Águas de Portugal – ADP.
Na verdade, não obstante os
serviços de água serem de competência autárquica, o que é certo é que, de há
uns anos para cá, os municípios passaram a ser fortemente pressionados para
transferirem a sua competência e infra-estruturas para sociedades anónimas,
concessionando a exploração dos respectivos sistemas de abastecimento de água e
saneamento a sociedades anónimas de capitais públicos, nas quais a dita ADP
detém, pelo menos, 51% das acções.
Uma pressão que se tem
consubstanciado na aprovação de legislação que restringe o acesso dos
municípios que pretendam manter as suas competências e serviços nestas áreas,
às comparticipações pelos orçamentos de Estado e aos apoios do Fundo de Coesão.
Tal concessão acaba por ser uma
verdadeira ‘privatização formal’, uma vez que a materialização desta alienação
a privados fica apenas dependente do próprio Governo, que não necessita do consentimento
das autarquias parceiras para a concretizar.
A privatização dos serviços da
água é um negócio absolutamente fabuloso e tem sido sistematicamente ‘induzida’
pelos órgãos de poder financeiro aos países cuja debilidade económica gera
acentuada dívida externa, numa manifestação de evidente dependência destes ao
poderio financeiro dos grandes oligopólios internacionais que, desta forma, e à
revelia dos cidadãos de cada um desses países, visam alcançar a mercantilização
da água.
Num recente estudo científico
sobre o cenário expectável resultante das alterações climáticas no século XXI,
uma equipa liderada por Filipe Duarte Santos, docente da Universidade Nova de
Lisboa, aponta para as consequências dramáticas que inevitavelmente surgirão
com o aproximar do final deste século em resultado do cada vez maior decréscimo
do caudal dos rios no sul, associando-o à crescente assimetria espacial e
temporal da distribuição dos recursos hídricos.
Porque cada vez chove menos, as
reservas de água esgotam-se progressivamente e, com a seca a agudizar-se nas
regiões áridas, a água será um bem cada vez mais estratégico cuja posse
resultará em tensões sociais, de impacto imprevisível.
Apesar disso, quando o governo
resultante do próximo acto eleitoral entrar em funções, estará cada vez mais
próxima a venda da participação pública na ADP. É, pois, o futuro de Portugal,
mas principalmente o dos portugueses, que está em jogo a partir do dia 5 de
Junho de 2011.
O tempo urge e há cada vez menos
tempo, mas por parte de uma classe política que, há décadas seguidas, tudo tem
feito para manter os lugares que ocupa. É claro que esse futuro está a ser
olhado com um leviano encolher de ombros, pese embora a factura de 83.000
milhões de euros já esteja apresentada para cobrança. Do lado do eleitorado,
qual honrado fiador chamado a pagar essa dívida contraída em seu nome, mas cujo
proveito reverteu a favor de outros, é por demais evidente a indiferença com
que, anestesiado e macambúzio irá dar, de forma aparentemente natural, o seu
contributo para depositar esse futuro nas mãos daqueles que se aprestam para o
leiloar e comercializar…
Porque em democracia ganha quem
tem mais votos, e porque a história tem mostrado que os ganhadores nem sempre
são os mais capazes, o que se esperaria de um eleitorado digno e responsável é
que na sua escolha tivesse em conta o conteúdo dos programas eleitorais em
sufrágio. Talvez assim não votasse nos mesmos de sempre, aqueles que há mais de
três décadas se governam à custa de quem os elege para governar o país.