sábado, 20 de junho de 2015

O NOSSO FUTURO VAI A LEILÃO

O mundo está perdido
Anda tudo envolvido
Na luta pelo poder.
Mas para quê tanta guerra
Se sete palmos de terra
Chegam depois de morrer?
 
Manuel Augusto Diogo
 
Andamos todos assarapantados!
 
Nestas últimas semanas, desde que acordamos até que voltamos a deitar-nos, só ouvimos falar na ‘Troika’ (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) e nas medidas por esta impostas para a celebração do acordo de concessão de assistência financeira ao nosso país.


Apesar de ser de leitura obrigatória para qualquer português que se preocupe minimamente com o que o rodeia e com o que vai acontecer nos próximos anos no seu país, o governo, só depois de muita pressão por parte da comunicação social, avançou para uma tradução oficial do referido documento, ressalvando desde logo, quanto às divergências entre a versão portuguesa e a inglesa, que a que prevalece é esta última.
 
E, assim, perguntamo-nos quantos portugueses serão capazes de ‘descodificar’ o memorando escrito em ‘Inglês cifrado’, que alguns apelidam de ‘técnico’ mas cuja interpretação é pouco menos que inatingível, uma vez que até hoje nem os seus próprios subscritores têm a certeza da tradução efectuada, não obstante as medidas contidas no documento original terem de constar dos próximos orçamentos de Estado, cumprindo as profundas e abrangentes instruções da ‘Troika’.
 
No entanto, apesar disso, saltaram já para a opinião pública algumas das exigências impostas pela dita ‘Troika’ relativamente ao sector empresarial do Estado, entre as quais a aceleração do programa de privatizações sendo certo que, face à crise internacional em curso, não é nada optimista a perspectiva de realização destes negócios de alienação de grandes empresas, sendo mais que certo que aqueles que vierem a ser consumados serão, naturalmente, maus negócios.
 
Ora, no âmbito desse programa, o governo comprometeu-se a identificar duas grandes empresas para serem privatizadas até ao final de 2012, parecendo claro que entre estas se encontra a Águas de Portugal – ADP.
 
Na verdade, não obstante os serviços de água serem de competência autárquica, o que é certo é que, de há uns anos para cá, os municípios passaram a ser fortemente pressionados para transferirem a sua competência e infra-estruturas para sociedades anónimas, concessionando a exploração dos respectivos sistemas de abastecimento de água e saneamento a sociedades anónimas de capitais públicos, nas quais a dita ADP detém, pelo menos, 51% das acções.
 
Uma pressão que se tem consubstanciado na aprovação de legislação que restringe o acesso dos municípios que pretendam manter as suas competências e serviços nestas áreas, às comparticipações pelos orçamentos de Estado e aos apoios do Fundo de Coesão.
 
Tal concessão acaba por ser uma verdadeira ‘privatização formal’, uma vez que a materialização desta alienação a privados fica apenas dependente do próprio Governo, que não necessita do consentimento das autarquias parceiras para a concretizar.
 
A privatização dos serviços da água é um negócio absolutamente fabuloso e tem sido sistematicamente ‘induzida’ pelos órgãos de poder financeiro aos países cuja debilidade económica gera acentuada dívida externa, numa manifestação de evidente dependência destes ao poderio financeiro dos grandes oligopólios internacionais que, desta forma, e à revelia dos cidadãos de cada um desses países, visam alcançar a mercantilização da água.
 
Num recente estudo científico sobre o cenário expectável resultante das alterações climáticas no século XXI, uma equipa liderada por Filipe Duarte Santos, docente da Universidade Nova de Lisboa, aponta para as consequências dramáticas que inevitavelmente surgirão com o aproximar do final deste século em resultado do cada vez maior decréscimo do caudal dos rios no sul, associando-o à crescente assimetria espacial e temporal da distribuição dos recursos hídricos.
 
Porque cada vez chove menos, as reservas de água esgotam-se progressivamente e, com a seca a agudizar-se nas regiões áridas, a água será um bem cada vez mais estratégico cuja posse resultará em tensões sociais, de impacto imprevisível.
 
Apesar disso, quando o governo resultante do próximo acto eleitoral entrar em funções, estará cada vez mais próxima a venda da participação pública na ADP. É, pois, o futuro de Portugal, mas principalmente o dos portugueses, que está em jogo a partir do dia 5 de Junho de 2011.
 
O tempo urge e há cada vez menos tempo, mas por parte de uma classe política que, há décadas seguidas, tudo tem feito para manter os lugares que ocupa. É claro que esse futuro está a ser olhado com um leviano encolher de ombros, pese embora a factura de 83.000 milhões de euros já esteja apresentada para cobrança. Do lado do eleitorado, qual honrado fiador chamado a pagar essa dívida contraída em seu nome, mas cujo proveito reverteu a favor de outros, é por demais evidente a indiferença com que, anestesiado e macambúzio irá dar, de forma aparentemente natural, o seu contributo para depositar esse futuro nas mãos daqueles que se aprestam para o leiloar e comercializar…
 
Porque em democracia ganha quem tem mais votos, e porque a história tem mostrado que os ganhadores nem sempre são os mais capazes, o que se esperaria de um eleitorado digno e responsável é que na sua escolha tivesse em conta o conteúdo dos programas eleitorais em sufrágio. Talvez assim não votasse nos mesmos de sempre, aqueles que há mais de três décadas se governam à custa de quem os elege para governar o país.