É fraqueza
entre ovelhas ser leão.
Luís Vaz de Camões
Apesar disso, nove dos onze municípios da Região de
Aveiro preparam-se para, apressadamente, aderir a uma parceria com o Estado
Português que, através de uma entidade gestora em cuja estrutura accionista os
municípios serão minoritários, passará, entre 2009 e 2059, a gerir os
respectivos sistemas municipais para as actividades de água e de saneamento.
E se já é difícil perceber que razão terá determinado
os municípios aderentes a não submeterem a hipoteca de um recurso estratégico
do seu património a um debate lúcido e transparente, que envolvesse a sociedade
civil como principal visada pelas consequências decorrentes desta adesão, é
muito mais difícil entender a razão pela qual se buscam deliberações tão
urgentes como inexplicadas, a escassos quatro meses do final do exercício dos
respectivos mandatos autárquicos.
A adesão destes municípios à criação de uma empresa,
relativamente à qual o Governo já assegurou não ter qualquer tabu em ver
privatizada, aconteceu apenas quinze dias depois de o Ministro do Ambiente ter
afirmado que “a água em Portugal é demasiado barata e deve aumentar 15 vezes
para valores consentâneos com o resto dos países da OCDE”.
No entanto, e apesar de o Presidente da CIRA se ter
congratulado com o facto de esta nova empresa trazer lucro aos municípios, a
consequência da entrega da água a uma empresa que, a qualquer momento, poderá
ser privatizada, será uma harmonização tarifária, que resultará num aumento das
tarifas da água e saneamento, e que em alguns casos assumirá foros de
escândalo.
Se em relação à água o que se prevê é que em 2020 os
municípios envolvidos mantenham praticamente inalteradas as respectivas taxas
de cobertura (com excepção de Sever do Vouga, que aumenta cerca de 10,2%), já
no que respeita às taxas de cobertura de saneamento o que se estima é que em
2020 praticamente todos os municípios as vejam aumentadas (Águeda sobe 24,3%,
Albergaria aumenta 22,6%, Estarreja cresce 22,9%, Ílhavo sobe 26,9%, Murtosa
progride 22,8%, Sever do Vouga eleva 60,6% e Vagos cresce 48,7%); a excepção a
esta regra é Oliveira do Bairro, único dos nove municípios em que se estima que
a taxa de saneamento actual decresça (de 90,2% para 89,2%).
Ao não ser garantida uma justa e equilibrada
distribuição custo/benefício, o que esta parceria sustenta é um negócio que só
não será mau para os municípios mais carenciados de infra-estruturas, podendo
muito bem ser o caso de Águeda que, entre retribuição, dividendos e venda de
água, receberá da entidade gestora, até 2059, cerca de 8,08 milhões de euros,
suportando até 2012 um valor ligeiramente superior a 0,08 milhão de euros para
subscrição do capital social dessa entidade gestora.
A este diferencial positivo, de cerca de 8,00 milhões
de euros, acresce o valor de 28,135 milhões de euros definidos para os
objectivos de investimento a efectuar na área do município ao longo do período
de vigência da parceria.
Assim sendo, perante um retorno de cerca de 36,135
milhões de euros que, durante 50 anos, advirá para o município pela afectação
às leis do mercado da titularidade da sua água, até pode concluir-se que fica
evidenciada a combinação entre um importante aumento das taxas de cobertura e
uma solução sustentável e duradoura.
Tratando-se, à primeira vista, de um modelo com
inegáveis vantagens para municípios como o de Águeda, não prescinde, contudo,
de aperfeiçoamento e melhoramento em alguns aspectos para acautelar melhor os
interesses de outros municípios, de que é paradigma de Oliveira do Bairro.
Paralelamente, trata-se de uma reestruturação que não
só reduzirá o número de trabalhadores municipais afecto ao serviço das águas e
saneamento, como colocará em risco a qualidade do serviço prestado.
Seria importante que na defesa do interesse dos
munícipes não fosse esquecido que a adesão a esta parceria envolve a perda do
controlo sobre o sistema tarifário e a sua evolução futura, e fosse recordado
que há cerca de um ano o Tribunal de Contas tornou público que a “Águas de
Portugal” gastou perto de cinco milhões de euros em viaturas para os
administradores e funcionários e prémios sem qualquer relação com o desempenho.
O que só agravou a situação deficitária do grupo que, entre 2004 e 2005,
registou 75,5 milhões de euros negativos.