sábado, 16 de maio de 2015

MEXER NA ÁGUA

É fraqueza entre ovelhas ser leão.

 Luís Vaz de Camões

 A água é um bem público essencial à vida, um recurso escasso e vital que, por não poder estar sujeito a estritos critérios gerador de lucro, deve, isso sim, ser gerido tendo em conta a equidade e a universalidade ao seu acesso.

Apesar disso, nove dos onze municípios da Região de Aveiro preparam-se para, apressadamente, aderir a uma parceria com o Estado Português que, através de uma entidade gestora em cuja estrutura accionista os municípios serão minoritários, passará, entre 2009 e 2059, a gerir os respectivos sistemas municipais para as actividades de água e de saneamento.

E se já é difícil perceber que razão terá determinado os municípios aderentes a não submeterem a hipoteca de um recurso estratégico do seu património a um debate lúcido e transparente, que envolvesse a sociedade civil como principal visada pelas consequências decorrentes desta adesão, é muito mais difícil entender a razão pela qual se buscam deliberações tão urgentes como inexplicadas, a escassos quatro meses do final do exercício dos respectivos mandatos autárquicos.

A adesão destes municípios à criação de uma empresa, relativamente à qual o Governo já assegurou não ter qualquer tabu em ver privatizada, aconteceu apenas quinze dias depois de o Ministro do Ambiente ter afirmado que “a água em Portugal é demasiado barata e deve aumentar 15 vezes para valores consentâneos com o resto dos países da OCDE”.

No entanto, e apesar de o Presidente da CIRA se ter congratulado com o facto de esta nova empresa trazer lucro aos municípios, a consequência da entrega da água a uma empresa que, a qualquer momento, poderá ser privatizada, será uma harmonização tarifária, que resultará num aumento das tarifas da água e saneamento, e que em alguns casos assumirá foros de escândalo.

Se em relação à água o que se prevê é que em 2020 os municípios envolvidos mantenham praticamente inalteradas as respectivas taxas de cobertura (com excepção de Sever do Vouga, que aumenta cerca de 10,2%), já no que respeita às taxas de cobertura de saneamento o que se estima é que em 2020 praticamente todos os municípios as vejam aumentadas (Águeda sobe 24,3%, Albergaria aumenta 22,6%, Estarreja cresce 22,9%, Ílhavo sobe 26,9%, Murtosa progride 22,8%, Sever do Vouga eleva 60,6% e Vagos cresce 48,7%); a excepção a esta regra é Oliveira do Bairro, único dos nove municípios em que se estima que a taxa de saneamento actual decresça (de 90,2% para 89,2%).

Ao não ser garantida uma justa e equilibrada distribuição custo/benefício, o que esta parceria sustenta é um negócio que só não será mau para os municípios mais carenciados de infra-estruturas, podendo muito bem ser o caso de Águeda que, entre retribuição, dividendos e venda de água, receberá da entidade gestora, até 2059, cerca de 8,08 milhões de euros, suportando até 2012 um valor ligeiramente superior a 0,08 milhão de euros para subscrição do capital social dessa entidade gestora.

A este diferencial positivo, de cerca de 8,00 milhões de euros, acresce o valor de 28,135 milhões de euros definidos para os objectivos de investimento a efectuar na área do município ao longo do período de vigência da parceria.

Assim sendo, perante um retorno de cerca de 36,135 milhões de euros que, durante 50 anos, advirá para o município pela afectação às leis do mercado da titularidade da sua água, até pode concluir-se que fica evidenciada a combinação entre um importante aumento das taxas de cobertura e uma solução sustentável e duradoura.

Tratando-se, à primeira vista, de um modelo com inegáveis vantagens para municípios como o de Águeda, não prescinde, contudo, de aperfeiçoamento e melhoramento em alguns aspectos para acautelar melhor os interesses de outros municípios, de que é paradigma de Oliveira do Bairro.

Paralelamente, trata-se de uma reestruturação que não só reduzirá o número de trabalhadores municipais afecto ao serviço das águas e saneamento, como colocará em risco a qualidade do serviço prestado.

Seria importante que na defesa do interesse dos munícipes não fosse esquecido que a adesão a esta parceria envolve a perda do controlo sobre o sistema tarifário e a sua evolução futura, e fosse recordado que há cerca de um ano o Tribunal de Contas tornou público que a “Águas de Portugal” gastou perto de cinco milhões de euros em viaturas para os administradores e funcionários e prémios sem qualquer relação com o desempenho. O que só agravou a situação deficitária do grupo que, entre 2004 e 2005, registou 75,5 milhões de euros negativos.