domingo, 31 de maio de 2015

CRÓNICAS DO INFERNO

O NÓVOA SAIU DA NÉVOA
Quando Sampaio da Nóvoa fez saber da sua intenção em se candidatar à Presidência da República Portuguesa as perguntas mais comuns eram:
- Quem é, ele?
- É de esquerda ou de direita?
- O que lhe deu para aparecer, agora, como o homem providencial para este cargo?
- Quem promove a sua candidatura?
É que há políticos que gostam de andar na ribalta, sempre sob os holofotes. Outros preferem movimentar-se na penumbra. Mas um político a viver no mais profundo dos tuneis, no maior anonimato até aos sessenta anos e aparecer, repentinamente, como candidato ao mais alto cargo político da Nação, isso é quase uma impossibilidade. Digamos que uma delirante ficção.
E, no entanto, aconteceu.

Como não gosto de me ficar pelas perguntas, tento perceber os fenómenos estranhos. Por isso tentei auscultar umas dezenas de amigos ligados à política e, agora, sinto-me capaz de responder às quatro perguntas acima.
Embora, admito, nem sempre da maneira que gostariam de ler.
Aí vão as conclusões que tirei depois de exaustivo estudo.
1ª Pergunta: “Quem é ele”?
Resposta: “Não faço a mais pequena ideia. Sei que chegou a Reitor da Universidade de Lisboa depois de ali ter entrado de modo inesperado. Isso porque, segundo confidenciou, em entrevista ao “Jornal de Negócios” (não deixa de ser curioso o jornal escolhido), entrou para Professor da Faculdade sem ter a sua tese reconhecida. Mas, parece, a sua qualidade académica não deve ser posta em causa. E, assim sendo, por aqui me fico.”
2ª Pergunta: “É de esquerda ou de direita?”
Resposta: “Tem dias. Diz-se disposto a derrubar governos com cuja linha política esteja em desacordo, menosprezou ministros, mesmo os mais consensuais (não disse que chumbaria Mariano Gago?), concluiu que os políticos portugueses são ““incompetentes, de vistas curtas, que nos colocaram num labirinto para o qual parece não haver saída” (sendo que estes o aplaudiram longamente e de pé) e também admitiu que talvez “tenhamos que ir para a nacionalização de parte dos sistemas bancários“. E também escreveu que “devo a Abril tudo o que sou. Se estamos aqui é porque somos Abril. Porque quando tudo parecia bloqueado, a coragem iniciou uma rutura logo abraçada como utopia. Nesse dia, depois dos capitães, houve a rua, e foi na rua que os portugueses fizeram a liberdade”. Esqueceu-se de dizer onde estava nessa data e qual o seu contributo para que ela fosse possível.
3ª. Pergunta: - O que lhe deu para aparecer, agora, como o homem providencial para este cargo?
Resposta: Se levarmos as suas palavras à letra o mais certo é que concorra para perder. Ele afirmou recentemente ““Fiz a minha vida na Universidade. Em todos os lugares que ocupei, nunca quis ocupar lugares. Se tenho algum projeto de vida, todos os meus amigos o sabem, é poder ler e escrever até ao fim dos dias.” Pode, claro, estar a planear gastar o seu tempo, se eleito, na biblioteca do Palácio (se é que ela ainda existe depois da passagem do último Presidente). Mas o mais certo é, vendo que este seu projecto seria inexequível… desistir.
4ª Pergunta: Quem promove a sua candidatura?
Resposta: Esta é fácil. Todas as criaturas têm um criador e o criador desta criatura, por muito que custe à esquerda, é Cavaco Silva que sempre conseguiu escolher o seu sucessor. Não logrou impor o seu “perfil ideal” ao PSD e num golpe de mestre (impressionante verificar que tem uma ideia inteligente na véspera de deixar o cargo…) leva o PS a aparecer com o “seu escolhido”. E ainda com a hipótese de ver outros partidos de esquerda a seguir o mesmo caminho. Na realidade, vejamos como o putativo candidato se tornou quase uma figura pública: com o convite, de Cavaco, para discursar no 10 de Junho. Analisemos como conseguiu alguns apoios de peso: entregando títulos de “doutores honoris causa”, da Universidade onde era Reitor, aos três últimos Presidentes: Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio que, hoje, estão com ele. Quem discursou na cerimónia e entregou a distinção? Cavaco Silva. Que, a esta hora, deve estar a rir a bandeiras despregadas. A esquerda, como habitualmente, vai entender daqui a uns meses.
O Nóvoa saiu da névoa como Cavaco Silva quis e quando quis.
Foi fácil, ao actual Presidente, convencer Nóvoa. Como este costuma dizer: “Não quero nada, mas estou disposto a dar tudo”.
Pois!
 
Dê Moníaco, no jornal 'Região Bairradina' de 27 de Maio de 2015