Que importa que alguns senhores
Me neguem o pensamento?
Há de burros mais dum cento
Com o título de doutores!
Mas porque são possuidores
De centenares de cruzados,
Julgam que sobre os montados
Só medram bestas de carga!
Têm razão: a vida amarga
É herança dos desgraçados.
Manuel Alves (poeta cavador)
Diz quem também sabe sobre
hipismo e falcões que, pelo menos, entre 1879 e 1950 (durante três gerações),
os criadores e proprietários de certo produto tinham no concelho um local e uma
data para o mostrar: a feira dos burros, no dia 8 de Setembro. Era uma forma de
a população valorizar um recurso local do património cultural, com grande
importância a nível socioeconómico.
No entanto, face ao
envelhecimento da população, ao facto de a maioria dos exemplares mais
representativos se encontrar com uma idade demasiado avançada para procriar, e
tendo em conta a vulgarização do uso da bicicleta e a inexistência de medidas
agro-ambientais, a feira dos burros acabou, naturalmente, por deixar de se
realizar, pois os políticos da altura não entenderam contribuir com o seu
empenhamento para salvar da extinção um evento único no concelho e na região.
Anos mais tarde, certamente por
terem um entendimento mais umbiguista da realidade e das coisas, os políticos
locais avançaram para a realização de um evento, onde o burro já não é rei nem
senhor.
E de um dia para o outro, todos
ficámos a saber que, afinal, a grande tradição do concelho são os cavalos e não
os burros e que, por isso mesmo, Oliveira do Bairro é, surpreendentemente, o
local ideal para realizar uma tradição tão antiga que a maioria nem sequer se
recorda de alguma vez ter existido.
Ao tomar esta opção, os
políticos da actualidade quiseram transmitir a ideia de que organizar um
qualquer evento de carácter nacional, onde os criadores da espécie asinina
pudessem contribuir para a valorização da riqueza genética, histórica e cultural
do burro oliveirense, captando a atenção dos mais jovens para a importância da
conservação desta espécie, é, em termos de actuação política, uma aposta
incomparavelmente menor relativamente à organização de uma feira do cavalo.
A aposta na revitalização da
feira dos burros teria sido uma aposta em cheio, num tempo em que o actual QREN
desenvolve mais de meia centena de medidas agro-ambientais de apoio à
manutenção de raças autóctones, concedendo um subsídio de cerca de 200 euros
por animal.
Teria sido uma verdadeira opção
pela preservação do património cultural local, sempre tão oportunisticamente
propagandeada, fazendo dos burros uma bandeira para um turismo de qualidade.
Acontece que alguém, com
vice-responsabilidades no partido do poder, veio a público dar conta de que a
realização da feira do cavalo fora uma aposta que, de forma séria, promovera e
valorizara gente do concelho.
E, assim, ficando os munícipes a
saber que a razão para a realização deste evento foi a promoção e valorização
de alguns proprietários e criadores de cavalos (quantos são? e quem são?), é de
lamentar que a opção tenha recaído na realização de uma feira para espertos e
não na revitalização da feira dos burros, pois com uma décima parte da verba
despendida, certamente que se promoveria e valorizaria massivamente as gentes
do concelho, ao mesmo tempo que se assistiria a uma gincana de asnos, a um
desfile de jumentos com ornamentação e a um concurso para eleger os melhores
exemplares, culminando-se com um almoço convívio animado por danças e cantares
tradicionais, tão do agrado dos políticos da fêvera assada e do coirato.
Foi pena!