De sol a sol eu trabalho,
Com afã, desembaraço:
De tantas leivas que talho
Trago já dorido o braço.
António de Cértima
Hoje fui ao SAP, no Centro de
Saúde, fazer o penso. Lá chegado, e sem fazer nada por isso, acabei por ouvir
uma garota, que não sei se já teria 16 anos, a falar da noitada que tinha tido.
– Ainda hoje estou de ressaca!
– dizia.
Ao que parece, depois do jantar
comemorativo do dia mundial da mulher, a jovem terá tido uma noite daquelas! O
que mais me custou foi ouvir a fedelha dizer que a câmara municipal não passa
cartão nenhum às mulheres.
Na agenda municipal, uma única
referência: entrada livre para todas as mulheres nas piscinas municipais.
– Ah, e tal, porque no dia
mundial do idoso vão com oitocentos velhotes para o Minho, levam-nos de
autocarro, oferecem-lhes o almoço e põem-nos a dançar o “Vira”. E às mulheres,
nada! Oferecem-lhes um banho na piscina como se fossem umas pulguentas e
carraçosas!
Não adiantou nada eu dizer que o
município não pode gastar à fartazana, que tem que ter contenção, que só em
processos, tribunais e advogados é uma pipa de massa! Nada!
Zurziu a torto e a direito no
pessoal do executivo autárquico.
– Ah, e tal, que é só homens,
mesmo a que não é homem ainda é pior que eles… Que não dão nenhum valor às
mulheres… Enfim! Não foi nada bonito de se ouvir!
Quando pelo altifalante da sala
de espera ecoou o nome “Maria Alcina”, a jovem levantou-se e entrou para a
consulta. Eu fiquei ali sozinho a pensar para com os meus botões que as
crianças de hoje são muito mais sabidonas do que as do meu tempo. Coisas da
CEE, de certeza absoluta!
Ainda nem tinham passado cinco
minutos, quando entrou para a sala de espera um senhor, já entradote, que
estabilizou, de pernas ligeiramente abertas, no lado oposto àquele em que eu
estava: era o Tóino Bi-Rodas.
Aproximou-se de mim e
cumprimentou-me. Secamente, disse-me que sentia dores de estômago.
Se há gajo que eu curto a valer
é o Tóino Bi-Rodas. Calculo que alguns bacanos ao tomar conhecimento desta
minha confissão já estejam a rir, de boca escancarada, ou a pensar em piadinhas
de cariz duvidoso. Fazem mal. A minha afirmação não é ligeira: é pragmática,
clara como a água, e tem justificação.
Quantos gajos, neste concelho,
se podem dar ao luxo de dizer que já fizeram muita gente feliz, ao ponto de
ficarem com um ar embevecido, semelhante ao que alguns membros da assembleia
municipal fazem ao ouvirem os discursos do presidente da câmara? Digam lá
quantos? Ninguém responde? Então, é porque eu tenho razão!
Ok! É verdade que o Herman José
já fez muita gente feliz neste concelho quando cá veio contar umas anedotas por
alturas da miss Bairrada, mas esse não conta, porque é artista de televisão e a
sua presença entre nós, ainda que por duas ou três horas, só veio dignificar um
concelho que, depois da sua presença, nunca mais foi o mesmo! É uma diferença
como da água para o vinho!
O Tóino, que muito pouca gente
tem a feliz sorte de saber que cavalga toda a sela, já fez muito gajo feliz. E
tem mesmo sacrificado a sua própria felicidade para fazer os outros felizes.
É certo que, por vezes, são
momentos de felicidade mais curtos do que a pista ciclável que está prevista
para a nova alameda da cidade. Mas aí não é culpa dele.
Os gajos das bicicletas que
optem por andar de carro para gozar as vistas da futura via, em vez de andarem
de “bicla” e sujeitarem-se a cair e a esmurrar os cotovelos e os joelhos.
E agora que torno pública esta
minha simpatia pelo Tóino Bi-Rodas, tenho de contar dois pequenos episódios que
são bem o exemplo de como o Tóino é um gajo “bué-da-fixe”.
Num dia destes, tive de utilizar
os sanitários públicos sitos no jardim da Avenida Abílio Pereira Pinto, em
frente à Caixa Geral de Depósitos. Estava tão precisado dessa utilização que,
antes de entrar, nem reparei nas pontas de cabo e de fita amarela que sinaliza
o local onde, até há uns meses atrás, esteve implantado um posto de recepção de
correio. Resultado: acabei por tropeçar e fiz uma valente equimose na cana do
nariz. Ainda a crosta da ferida não tinha desaparecido, e tive que atravessar a
Rua do Foral (futura alameda) para ir ao serviço de Finanças cumprir com as
minhas obrigações fiscais.
Eis senão quando fui abalroado
por uma viatura provinda do lado sul (para quem não sabe para que lado fica o
norte, eu explico: a viatura provinha do lado de Sangalhos). Resultado:
hematomas nas canelas e canadianas nos braços por uns dias. Palavra puxa
palavra, lá acabei por pedir desculpa ao gajo que conduzia o veículo, depois de
este me ter feito ver que naquele local não há nenhuma passadeira que se veja
pintada na rua. Além disso, o único semáforo que existe fica tão lá em cima que
nem se vê, pois o outro, o que estava em frente à agência de viagens, foi
retirado há uns meses e já só restam dele as pontas dos cabos de ligação
atiradas para o chão.
Apesar da amizade que me liga ao
Tóino, e de saber que é um gajo bem relacionado e com bastantes influências,
não lhe disse nada. Porém, um gajo nosso amigo contou-me que, quando ele tomou
conhecimento destes acontecimentos, terá comentado:
– Não lhe faz mal nenhum! Já que
o gajo não gosta de atletismo, ao menos que endureça os músculos dos braços,
enquanto anda de muletas!
Portanto, pessoal, quando
quiserem ter uma referência genuína do que pode ser um gajo verdadeiramente
porreiraço, basta começarem a aparecer naqueles encontros bimensais que ele tem
com os colegas, onde o Tóino é figura de proa, e ouvir as suas magníficas
intervenções significa chorar por mais! Qualquer dia ainda havemos de ver este
gajo a dar mais autógrafos do que o Cristiano Ronaldo no final dos treinos.
Tóino, és grande: agora que o kompensan já se vende nas lojas de conveniência,
duvido que haja no mundo inteiro grades de “mines pretas” e sandes de porco
assado no espeto bastantes para te agradecer!
Importa referir que a utilização
do termo ‘gajo’ é uma questão de carinho e ternura. Nunca por menor
consideração ou insulto. Gajo como eu é um verdadeiro gajo que não insulta
outro gajo.
Portanto, por aqui se perceberá
que tenho pelo Tóino Bi-Rodas o mesmo respeito e consideração que tenho pela
Irmã Maria dos Anjos da nova telenovela da TVI ou pela Leona da novela da SIC.
São ambas gajas encantadoras, apesar de eu não apreciar o que fazem ou
concordar com o que dizem. Logo, não se deve entender na palavra ‘gajo’ uma
desconsideração, mas sim, por exemplo, como um beijinho na face: só um, porque
dois é de provinciano.
Mal entrou na sala de espera, o
Tóino começou a contar-me a odisseia que viveu para percorrer a distância que
separa a Escola Secundária e o Centro de Saúde.
– Hoje não morri por sorte! – disse o gajo. – Ali em frente aos edifícios feitos pelo
Quim, tive que estancar o meu bolinhas para evitar um valente choque.
Mal acabou de dizer isto, começou com
exercícios de artilharia. Talvez por ter comido feijoada à transmontana com
chispalhada de porco!
Deixei-o a fazer a ginástica
dele e acabei por me manter quieto no meu lugar. Que pena tive de ele não poder
acabar a conversa! Sempre haveria de perguntar-lhe se também gosta, como eu, da
linda vista que se alcança das traseiras dos edifícios feitos pelo Quim para a
Serra do Caramulo!