sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

CRÓNICAS DO INFERNO

PROCESSOS MEDIÁTICOS
 
O dia-a-dia nos tribunais portugueses podia proporcionar temas para centenas de romances e crónicas de grande sucesso.
O único problema seria o risco de as pessoas acabarem por criticar o “escriba” por excesso de imaginação. Mesmo que este se limitasse a relatar casos verídicos e facilmente comprovados.
Um exemplo:

Aquele senhor banqueiro, cuja família gostava de ir para a Herdade da Comporta para brincar aos pobrezinhos, depois de acusado por crimes gravíssimos viu todas as suas contas bancárias congeladas pelo Juiz de Instrução Criminal que, logo de seguida, o obrigou a prestar uma caução de três milhões de dólares para poder continuar em liberdade até um eventual julgamento.
Antes de se preocupar com a impossibilidade de mexer no seu (?) dinheiro durante anos (a julgar pelo caso BPN este julgamento deve começar lá para 2050) o DDT Salgado teve de levantar os colchões de todas as camas da sua mansão, e revistar todas as gavetas das meias, até conseguir os trocos necessários para completar os tais três milhões que, como pessoa cumpridora, entregou no tribunal dois dias depois.
Que aquilo deve ter dado uma trabalheira… não há dúvidas.
Mas como pode o cronista fazer com que o leitor acredite que este enredo é possível?
Esqueçamos, portanto, este tema.
Passemos para a história dos submarinos. Um processo recentemente arquivado pelo Ministério Público.
Depois de ter havido condenações, em dois países, pelo crime de corrupção, em Portugal, que como se diz para aí tem a melhor polícia e os melhores magistrados do mundo, chegou-se à conclusão de que, havendo embora condenados por corromper, não havia quem tivesse sido corrompido.
Como não sou jurista não consigo explicar mas, pelos vistos, é possível.
Ainda assim, a Procuradoria-Geral da República parece que vai ordenar um inquérito à forma como foi conduzido este processo.
Segundo as minhas contas será o inquérito duzentos mil (só ao “acidente” de Camarate foram feitos alguns cem) que deve ter, rigorosamente, o mesmo resultado dos outros: nenhum!
Consta que a Senhora Procuradora-Geral ficou muito surpreendida com a decisão do arquivamento e quer, agora que o processo está mais fundo nas caves dos tribunais do que os submarinos alguma vez estarão no mar alto, respostas concretas.
As explicações não serão fáceis, obviamente.
Desde logo porque foram muitos os Procuradores “responsáveis” (é uma força de expressão!) pelo processo.
Os dois primeiros foram afastados, ou afastaram-se, e alvo de processo disciplinar (que também deve ser analisado dentro de trinta anos…).
Uma senhora Procuradora teve de abandonar o caso depois de “se ter envolvido emocionalmente com um perito do mesmo”. Na Procuradoria, pelos vistos, ninguém compreende que o amor é mais forte do que tudo.
Seguiu-se mais um Procurador que se afastou depois de afirmar que tinham desaparecido vários documentos importantes. Se tivesse sido mais diligente em lugar de desistir teria pedido cópias dos papéis em falta ao irrevogável Vice-Primeiro Ministro que, como é sabido, levou consigo dezenas de milhares de cópias de documentos importantes quando esteve no Ministério da Defesa. Às tantas conseguiria recompor todo o processo.
Antes de uma nova Senhora Procuradora acabar por decidir pelo arquivamento foram ainda detectados graves erro nas transcrições de escutas com truncagem de nomes de muitos dos implicados. Como exemplo um tal “Kiel” passou a ser tratado por “aquilo”. Se aquilo foi propositado é que ninguém se atreve a dizer.
Os políticos de todos os partidos, curiosamente, não se têm mostrado muito preocupados.
Certamente vaidosos por concluírem que os portugueses são os únicos que, neste negócio, não são acusados de corrupção ou qualquer outro crime.
E mesmo depois de se saber que praticamente todos os membros da família Espírito Santo tinham recebido milhões de euros pelo negócio dos submarinos, como eles mesmo confirmaram numa Comissão Parlamentar, alguns sem nunca terem tido a mais pequena intervenção no processo de compra, nenhum deputado mostrou interesse em tentar verificar se havia alguma “anomalia” na atribuição deste prémio (digamos assim).
Que eu tenha dado conta só um deputado, e do CDS/PP (pausa para me recompor das gargalhadas), é que se mostrou disponível “para fazer uma reflexão em conjunto com os outros grupos parlamentares”.
Mais espantoso do que tudo o acima relatado seria conseguir imaginar um conjunto de deputados a reflectir.
Mas, como se sabe, mesmo as caricaturas não devem ser excessivas para não cairmos no ridículo.
Por isso… vou ter de procurar outros temas se quero continuar a escrever crónicas!
 
Dê Moníaco, no jornal 'Região Bairradina' de 25 de Fevereiro de 2015