quinta-feira, 10 de julho de 2014

O PAPA, A PEDOFILIA, A TEORIA

O Papa Francisco recebeu ontem, pela primeira vez no Vaticano, seis vítimas de padres pedófilos, anunciou a Santa Sé

O encontro foi anunciado em maio, mas só agora se realizou, após pressões várias das associações que lidam de perto com as vítimas deste hediondo crime. Sabe-se o que o Papa pensa sobre a matéria: Francisco já disse repetidamente que terá "tolerância zero", ameaçando os prevaricadores com "sanções muito severas". Um padre que abusa de uma criança comete o pior dos sacrilégios, alcança o paroxismo do pecado, é "uma missa negra" nas palavras do Papa. E por isso merece séria punição.

Estamos certamente todos de acordo, católicos e não católicos, com a imperiosa necessidade de expurgar este drama da Igreja. Mas uma coisa é a teoria - e outra, por vezes bem diferente, é a prática. O Papa decidiu criar uma comissão de peritos para a proteção da infância no seio das instituições da Igreja Católica. Não faltará que fazer à dita comissão: o escândalo, revelado em 2000, atingiu dezenas de milhares de crianças, em diferentes países, e a Igreja é acusada de ter tolerado, e por vezes protegido, os criminosos, sem cuidar de ouvir as vítimas.

Criar comissões de especialistas costuma ser o primeiro passo para nada se fazer. Talvez por isso, a Organização das Nações Unidas (ONU) exortou os mais altos responsáveis da Igreja a serem consequentes. Isto é: a levarem até ao fim, em primeiro lugar, as suas investigações, sem misericórdia para com os criminosos. E, a seguir, entregar os sacerdotes às autoridades dos países em que os crimes foram cometidos, para se apurar cada caso até ao limite e, enfim, colocar o culpado em frente de um juiz.

Ora, a Igreja respondeu fechando-se: que não há necessidade, porque a coisa resolve-se nos tribunais do Vaticano; que não, porque a comissão de especialistas está em cima do assunto; que não, porque a posição da ONU foi influenciada - cruzes, credo! - pelos movimentos pró-gay; que não, porque a Igreja tem autonomia para lidar com o problema.

Esta é, creio, uma má forma de atacar o assunto. O merecido e prolongado estado de graça que envolve o Papa devia por ele ser usado para atacar tão grave problema pela raiz. Se necessário for, a Igreja não deve ter medo de expor as suas entranhas, porque a gravidade dos crimes assim o reclama.

Não se trata de colocar a Igreja à mercê do escrutínio público ou dos poderes civis, logo permeáveis às pressões que a Igreja acha que controla. Trata-se, isso sim, de tudo fazer para culpar os culpados, ajudar as vítimas, extirpar o medo e o horror. Isso não se consegue passando, devagarinho, o bisturi pela pele. O mal que a pedofilia colocou dentro da Igreja está lá bem mais para o fundo. Que o digam as vítimas dos padres.

Retirada daqui