segunda-feira, 2 de junho de 2014

HABITUEM-SE

Há cerca dum ano, António José Seguro era contra as eleições primárias no Partido Socialista

Nas suas palavras, "não fazia sentido". Ontem, surpreendendo toda a gente e desdizendo tudo o que sempre defendeu, resolveu defender essa solução. Parece que o secretário-geral só se apercebeu de que havia um problema entre os partidos e o eleitorado nas últimas eleições. 

As eleições que deram ao PS uma estrondosa vitória, que até lhe permitia pedir ao Presidente da República legislativas antecipadas - não fossem os problemas no PS, segundo Seguro. Pelo meio, e como é da praxe sempre que não se tem nada para dizer, propõe-se uma mudança no sistema político, uma regeneração dos partidos "para separar os negócios da política" e uma diminuição do número de deputados. 

Onde é que já ouvimos isto? É mesmo à saída duma reunião interna, em que se discute a vida interna dum partido, que se devem propor ao País alterações estruturais no sistema político.

Entretanto, o cumprimento rigoroso dos estatutos do partido, que tanto preocupava os apoiantes de Seguro durante a semana, já não é tão relevante: o que é preciso é mais democracia, transparência e participação dos cidadãos. Não parece que seja fácil de entender o conceito de democracia e participação quando se recusa qualquer tipo de debate.

Seguro não se demite, não convoca um congresso extraordinário, mas quer primárias. De que forma as quer? Ninguém sabe. Abertas a todos? Com voto dependente duma declaração de simpatia? Criando a categoria de simpatizante? Pois, de alguma forma será. 

O problema é que nos estatutos dos socialistas não estão previstas primárias, e muito menos o método a utilizar.

A Comissão Política estudará. Estudará arduamente, claro está. É possível que até sejam ouvidos especialistas americanos, franceses, italianos e outros para que a proposta da Comissão Política seja boa e fique pronta. Levará o seu tempo. Se levar o tempo que Seguro levou para perceber que, afinal, as primárias são um bom método, teremos um Congresso para aprovar as novas regras lá para 2030.

Deixemo-nos de tretas, Seguro é um político medíocre, tem mostrado uma confrangedora capacidade política, não consegue agregar, não consegue definir uma linha política coerente, mas é um especialista na arte da sobrevivência dentro do partido. Um verdadeiro exemplo do homem que nunca conheceu outra realidade que não fossem as lutas partidárias internas, os truques para preservar o poder. Seguro é um político frágil, fraco, indeciso e incoerente, mas é um leão da politiquice de máquina partidária. À imagem do primeiro-ministro, aliás. A forma como estes homens se agarram ao poder é quase admirável. Como o poder para eles não é instrumental e é, sim, a medida de todas as coisas, chega a ser assustador.

Desta vez, nem toda a habilidade de conservar o poder no partido estava a chegar. O partido, percebendo que as legislativas estavam em risco e que Costa seria um vencedor bem mais provável, prestava-se para correr com ele. E eis que Seguro tira o coelho da cartola: primárias. Se alguém tivesse dúvidas de que ele sabia que perderia o poder, esta fuga para a frente dissipou-as completamente. É que nem o mais indefetível seguidor de Seguro ignora que numas primárias o atual secretário-geral seria copiosamente derrotado por Costa.

Para Seguro, neste momento, poderiam ser primárias, secundárias, pestes suínas, chuvas ácidas, javalis ao lume ou outra coisa qualquer. Seguro apenas quer ganhar tempo. Muitos estudos, muitas reuniões, muitas comissões. Que o tempo corra depressa para que não haja forma de o PS ter outro candidato a primeiro-ministro. Quer lá ele saber da vontade do partido, da vontade do eleitorado tradicional socialista, da opinião pública. Do que se esquece é que o tempo que quer a toda a força ganhar é inversamente proporcional ao resultado que obterá. Seguro, com a sua inqualificável conduta, ao recusar uma solução rápida para a crise no partido, conduzirá o PS à mais estrondosa derrota eleitoral de sempre.

Para não variar, esta gente pensa que as pessoas não estão a ver. Ou então julgam que as pessoas são estúpidas e não percebem que tudo isto não passa dum jogo medíocre e mesquinho de quem olha o poder como um objetivo em si mesmo e está disposto a rigorosamente tudo para o manter. Regeneração, pois claro.

Seguro precisava mesmo de berrar "habituem-se". É que já estávamos habituados a poucas-vergonhas, mas não a um nível destes.

Pedro Marques Lopes, aqui