É que há um culpado da falta de
bebés no país. Não, não são os governos que não param com a sangria fiscal. Não
é a troika, nem os credores internacionais. São, evidentemente, as empresas.
Peço já desculpa ao leitor que
procurar um texto sobre prostituição ou, no mínimo, sobre a recente decisão de
incluir a prostituição nas contas nacionais. Não, este texto é sobre o santo e
piedoso assunto da natalidade.
Ou, melhor, sobre a comissão que
prepara propostas para que o estado promova o aumento da natalidade, a pedido
do PSD. Pensei esperar pelos resultados da comissão. Mas decidi adiantar-me: a
própria comissão é já um assunto comentável e tenho uma ou duas sugestões a
fazer – que não levo a mal se aproveitarem.
Mas se à vacuidade já estamos
habituados, o outro rumo das palavras com que Azevedo nos tem agraciado merece
maior atenção. É que há um culpado da falta de bebés no país. Não, não são os
governos que desde o aumento ‘temporário’ do IVA de Manuela Ferreira Leite não
pararam ainda com a sangria fiscal ao país. Não é a troika, nem os credores
internacionais. Nem a falta de partilha das tarefas parentais. São,
evidentemente, as empresas.
As tais empresas que, como disse
Azevedo e noticiou o Observador, obrigam trabalhadoras a declarar que não irão
engravidar. E que, convenientemente, Azevedo não nomeou, nem explicou em que
setor tal se passa, nada, deixou a acusação a pairar em cima de todas as
empresas e empresários. Também não explicou para que pediriam as empresas essas
declarações, que não têm qualquer valor legal nem permitem fundamentação para
eventual despedimento e, se uma empresa as exibisse, teria de seguida uma
fiscalização da ACT e, em tribunal, indemnização pesada a pagar à trabalhadora.
Talvez – desconfia o leitor
atento – haja pouco conhecimento da realidade. Na mesma notícia podemos ler
também que ‘Temos muitas empresas em Portugal que despedem as mulheres quando
elas engravidam’. Fui à procura de números, e estes são fáceis porque qualquer
despedimento de uma grávida é sujeito a parecer favorável do CITE. Ora (segundo
o Notícias ao Minuto e o Público) em 2012, o CITE permitiu o despedimento de
105 grávidas ou puérperas, em 2011 cerca de metade e, em 2010, 29. Pois.
Bom, mas não custa acreditar que
as mulheres grávidas e com filhos pequenos tenham maiores dificuldades no
emprego. Afinal ter filhos pequenos é cansativo, quando são mesmo pequenos
dormimos mal uns bons pares de noites e o cansaço não é amigo da produtividade.
Temos restrições de horas: ir buscar os filhos à creche, à escola, aos avós,
pelo que trabalhos com horários mais alargados (mesmo com a compensação
financeira) são evitados. Os miúdos ficam doentes, precisam de ir ao médico e
lá acabamos por faltar mais.
Ora sendo as empresas este grupo
malévolo que atormenta as famílias portuguesas, certamente que Azevedo convidou
para a sua comissão vários empresários e contactou as associações patronais
para saber que constrangimentos as empresas vivem perante uma trabalhadora com
filhos pequenos, não vos parece?
Parece mal. Na comissão há 1
empresário e ficámos por aí. Não é por acaso que o que se tem dito – redução de
horário para as mães, teletrabalho, trabalho a tempo parcial – já está, em
algum nível, contemplado na legislação atual e, se alargado, só aumenta a
dificuldade das mães de filhos pequenos em serem contratadas, promovidas,
aumentadas.
Quem, dando uso aos neurónios,
supõe que num país onde o ordenado líquido médio é inferior a 1000€ uma boa
proposta para aumentar a natalidade é dar às mães a possibilidade de trabalhar
a tempo parcial ou com redução de horário, passando a receber uns estonteantes
500€? Não se vê logo que uma PME – e as PME são o maior empregador nacional –
fabril, onde a produção é feita nos equipamentos da empresa, está inteiramente
disponível para que uma mãe comece a trabalhar em casa? Ou uma trabalhadora que
lide com informações confidenciais que não possam sair da empresa?
Quem não quiser criar um mundo
novo utópico (sempre deu mau resultado) mas melhorar o existente, pode propor,
por exemplo, que as duas horas de amamentação até ao ano de idade do bebé sejam
pagas pelo Estado e não pela empresa. Que é mais fácil substituir a tempo
inteiro por um período de tempo limitado do que substituir alguém três horas
cada dia durante quatro anos, pelo que as mães e as empresas ganhariam com
licenças parentais mais alargadas. Que uma mãe tem constrangimentos que não
vale a pena negar e se o Estado lhes quer dar uma vantagem, então que bonifique
a TSU (a cargo das empresas) das mães com filhos até 5 anos. O caminho é
facilitar a vida às empresas, não pode ser tornar a legislação laboral ainda
mais claustrofóbica. Mas se quiserem tornar a contratação de qualquer mulher em
idade fértil no último recurso de uma empresa, avante.
Terminando, para não vos maçar
mais, peço que ninguém, por favor, refira aos membros da comissão o programa
experimental britânico que entendeu subornar (a expressão é dos jornais
ingleses) as mães com 200£ mensais se amamentassem 6 meses. Promover a
amamentação é um bom fim, mas pôr dinheiro num momento íntimo de uma mãe com um
filho não se recomenda. Promover a natalidade também é fulcral para o país. Com
a vontade demonstrada de construção de uma nova ordem social, políticas para
‘abrir horizontes de esperança’ e outras coisas que não lembram a gente
sensata, corremos o grave risco de a comissão ver como bom subornar casais para
terem sexo sem contraceção.
Maria João Marques, aqui