sábado, 21 de junho de 2014

A HISTÓRIA DE PORTUGAL

Espanha perdeu e o rei abdicou. 

Não sei se a ordem dos factos foi esta, escrevo sem conhecer o resultado do Espanha-Chile (20.00 de ontem), mas o que me interessa é a relação entre o que se passa em campo neste Mundial e o que acontece na vida de todos os dias. Quer dizer: Portugal perde um jogo e as pessoas na manhã seguinte apitam e arreliam-se mais do que é costume no trânsito de Lisboa. 

Eu vi e ouvi, foi mesmo assim no Marquês de Pombal às nove da manhã de terça-feira. Ou então Portugal ganha - ainda não ganhou, por isso imagino, desejo - e as mesmas pessoas, aquelas pessoas, abrem um sorriso ternurento para o bárbaro sentado no espada ao lado com os olhos injetados de gasolina. Isto já é perfeitamente plausível.

É oportuno lembrar que nem um elefante morto com uma carabina de sangue azul levou Juan Carlos, o homem do gatilho fácil, a entregar a coroa. Um jogo de futebol ou até dois, por mais catastróficos que fossem, que tenham sido, nunca são tema com consequências reais. Isto é: o monarca de Espanha ter abdicado ontem foi apenas uma coincidência que teria dado um bom título de crónica desportiva no caso de Espanha ter perdido, como teria dado um bom título se Passos Coelho e António José Seguro - imaginem o estrepitoso 2 em 1 - se tivessem demitido logo a seguir à derrota com a Alemanha. Passos e Seguro sucumbem à hecatombe teutónica - haveria qualquer coisa de genuíno nesta frase, mas não diria respeito ao futebol. 

Dois políticos que não saem por razão nenhuma, mesmo quando apanhados em fora de jogo pelo árbitro ou em falta pelo público, não vacilam por uma derrota da seleção. Acreditam que o jogo, o deles, até pode acabar por se decidir nos penáltis.

Ainda bem que é assim. Se a coisa correr tão mal neste Campeonato do Mundo como até agora, o único a demitir-se, embora apenas no final da competição, deve ser Paulo Bento, mais ninguém. Ao futebol o que é do futebol, embora a bola seja "um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe", como escreveu Nelson Rodrigues, acrescentando que "o que procuramos no futebol é o drama, a tragédia, o horror e a compaixão". A política - refiro-me aqui à de alta competição - deve ser o contrário disso tudo, salvando-se a compaixão.

Há, claro, quem não veja as coisas assim. Por exemplo, Mourinho, o homem que vive em incesto com o próprio ego, tem esse mau génio de baralhar as coisas - muitas vezes bem, outras mal. Sobre a derrota da seleção ele disse a verdade, não esperava uma vitória, mas sobre Pepe e a expulsão atirou a bola para a bancada. "O facto de ele nem sequer ser português - rosnou Mourinho - creio que o deveria obrigar a ter outro tipo de comportamento." 

É uma pena que Mourinho faça da ignorância um lifestyle. Nunca será rei de coisa nenhuma e esta semana abdicou de ser selecionador - isto não é só futebol, é a história de Portugal.

André Macedo, aqui